MULHERES DO SÉCULO XX (20th Century women, 2016, A24/Annapurna Pictures, 119min) Direção e roteiro: Mike Mills. Fotografia: Sean Porter. Montagem: Leslie Jones. Música: Roger Neill. Figurino: Jennifer Johnson. Direção de arte/cenários: Chris Jones/Aimee Athnos. Produção executiva: Chelsea Barnard. Produção: Anne Carey, Megan Ellison, Youree Henley. Elenco: Annette Bening, Elle Fanning, Greta Gerwig, Billy Crudup, Lucas Jade Zumann, Allison Elliot, Thea Gill. Estreia: 08/10/16 (Festival de Nova York)
Indicado ao Oscar de Roteiro Original
Em uma Hollywood cujas constantes reclamações a respeito da falta de bons papéis femininos acima dos 50 anos, a atriz Anette Bening vem mantendo uma constância interessante em sua carreira: volta e meia surge com uma personagem forte e bem-escrita, que lhe dá a oportunidade de demonstrar todas as nuances de seu talento. Foi assim em "Beleza americana" (1999), "Adorável Julia" (2005), "Minhas mães e meu pai" (2010) e "Correndo com tesouras" (2006) - não por coincidência, os três primeiros lhe deram indicações ao Oscar. Em "Mulheres do século XX" ela voltou a encantar à crítica, mas, apesar de ter sido lembrada pelos eleitores do Golden Globe, foi esnobada pela Academia e ficou de fora da lista das candidatas à estatueta. Melhor sorte teve o roteiro do também diretor Mike Mills, que, com uma protagonista inspirada em sua própria mãe, chegou à reta final da premiação ao lado dos badalados "La La Land: cantando estações" e "Manchester à beira-mar". Com uma prosa poética e recheada de nostalgia, ele mergulha o espectador em uma trama que, a despeito de parecer excessivamente simples, discute com bom-humor e sem exageros, um tema sempre caro e relevante: o feminismo.
Porém, apesar do título e do tema que percorre com maior ou menor destaque toda a sua narrativa, "Mulheres do século XX" é, principalmente, um filme sobre o amor familiar, mesmo que em um núcleo menos ortodoxo. Assim como em "Toda forma de amor" (2011) o cineasta Mike Mills se utiliza da memória afetiva para criar personagens quase inacreditáveis: no filme anterior, Christopher Plummer deu vida (e ganhou um Oscar de coadjuvante por isso) a um homem de 80 anos que, viúvo, resolve assumir a homossexualidade para o filho e viver uma história de amor outonal - um acontecimento baseado na vida de seu próprio pai. Em sua nova obra, é sua mãe quem ressurge, com cores carinhosas e quase melancólicas, na figura de Dorothea, uma mulher forte e estoica que, divorciada, tenta criar o filho adolescente na efervescente cultura da Califórnia do final dos anos 70. Sentindo-se incapaz de lhe transmitir tudo que acredita ser necessário para que sobreviva em um mundo em constante mudança, ela pede socorro a quem lhe parece mais correto: suas duas jovens inquilinas, que irão, então, iniciar o ingênuo Jamie (Lucas Jade Zumann) nas dores e delícias de um universo de liberdade, sexo, drogas e maturidade.
Concentrando-se nas dúvidas de Dorothea em relação à forma de criar o filho em um lar cuja mais constante figura masculina é William (Billy Crudup) - um faz-tudo que faz reparos em sua deteriorada casa e em sua ocasional solidão - o filme de Mills volta seu olhar também para duas fascinantes coadjuvantes femininas que completam o panorama informal sobre a situação da mulher nas décadas finais do século XX. A mais velha, Abbie (Greta Gerwig, ótima), sonha em ser fotógrafa, acaba de passar por uma séria doença e apresenta ao rapaz o mundo da vida noturna de Nova York, com suas bandas de punk rock, atitudes rebeldes e a luta pelos direitos das mulheres. A mais jovem, Julie (Elle Fanning), de apenas 17 anos, está experimentando o sexo, com todas as complicações inerentes a tal período - incluindo o medo de uma gravidez indesejada - e, a despeito de despertar sentimentos fortes em Jamie, não pretende envolver-se romanticamente com ninguém depois de uma série de experiências traumáticas. Cada uma a seu modo, Abbie e Julie serão fundamentais na transição do rapaz para a vida adulta e, ao som de uma caprichada trilha sonora, emolduram uma época de transformações culturais e sociais que ecoariam por muito tempo.
Mike Mills é inteligente em justapor essas duas camadas narrativas - pessoais e históricas - sem que uma atropele a outra e ambas sutilmente se completem. O amadurecimento de Jamie é mostrado com delicadeza e o tom certo de melancolia/nostalgia/bom humor, em um roteiro que privilegia momentos simples e cotidianos ao invés de elaborar grandiosas sequências catárticas. Com uma edição que intercala informações a respeito dos personagens através de imagens de arquivo e uma narração em off que revela ao público alguns de seus dramas e segredos, "Mulheres do século XX" deve muito de seu sucesso junto à crítica à força de seu elenco. Se Annette Bening novamente dá mostras de que é uma das grandes atrizes de sua geração, sempre arrancando o máximo de suas personagens e entregando ao público interpretações sensíveis e realistas, suas coadjuvantes não ficam atrás: Elle Fanning cresce a cada filme, sempre cativando com a intensidade de seus desempenhos, e Greta Gerwig (de "Frances Ha") rouba o filme com sua corajosa Abbie - são dela as melhores cenas e os melhores diálogos, e é difícil não se apaixonar por sua personagem. O único senão do filme é a presença quase apática do protagonista masculino, o iniciante Lucas Jade Zumann, que não chega a comprometer o resultado final, mas impede o filme de atingir todo o seu potencial. Um pequeno senão em um filme simpático, agradável e antenado com seu tempo, que reitera o talento de seu diretor em transformar memórias afetivas em pequenos e delicados filmes.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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