NA MIRA DO CHEFE (In Bruges, 2008, Focus Features/Film4/Blueprint Pictures, 107min) Direção e roteiro: Martin McDonagh. Fotografia: Eigil Bryld. Montagem: Jon Gregory. Música: Carter Burwell. Figurino: Jany Temine. Direção de arte/cenários: Michael Carlin/Anna Lynch-Robinson, Hendrick Moonen. Produção executiva: Jeff Abberley, Julia Blackman, Tessa Ross. Produção: Graham Broadbent; Elenco: Colin Farrell, Brendan Gleeson, Ralph Fiennes, Clémence Poésy, Ciarán Hinds, Zeljko Ivanek, Jéremie Renier. Estreia: 17/01/2008 (Festival de Sundance)
Indicado ao Oscar de Roteiro Original
Vencedor do Golden Globe de Melhor Ator (Comédia/Musical): Colin Farrell
Quando "Três anúncios para um crime" tornou-se um dos maiores destaques da temporada 2017/2018, o público viu-se diante de uma produção rara, onde personagens complexos (e um tanto excêntricos) serviam à uma trama bem escrita e com atores inspirados dirigidos com segurança e sensibilidade - a ponto de dois deles, Frances McDormand e Sam Rockwell, saírem da cerimônia do Oscar com duas estatuetas. O que grande parte desse público deslumbrado não sabia é que o estilo do diretor/roteirista Martin McDonagh já não era segredo nem aos cinéfilos mais antenados e nem mesmo à própria Academia: lançado no Festival de Sundance de 2008, a comédia policial "Na mira do chefe" foi festejada pela crítica a ponto de receber uma solitária - mas importante - indicação ao Oscar de roteiro original (onde foi derrotado pelo bem mais badalado "Milk: a voz da igualdade") e um Golden Globe de melhor ator em comédia/musical para Colin Farrell. Foram lembranças merecidas, que se juntaram ao BAFTA de melhor roteiro original e várias outras láureas, de críticos norte-americanos (Detroit, Boston, Florida, Nova York), estrangeiros (Itália e Rússia) e do prestigiado National Board of Review - que incluiu o filme entre as dez melhores produções independentes do ano.
"Na mira do chefe" é, a princípio, um filme policial: seus protagonistas, Ray (Colin Farrell) e Ken (Brandon Gleeson) são dois matadores de aluguel que, seguindo ordens de seu chefe, são mandados para uma pequena cidade belga chamada Bruges. Lá, eles devem esperar por um novo contato com instruções. Enquanto Ken segue os conselhos de seu patrão e tenta se divertir com os pontos turísticos e culturais do local, Ray não consegue deixar de lado as lembranças de uma missão que acabou tragicamente. Nem mesmo o encontro com Chloe (Clémence Poésy), parte da equipe de um filme que está sento realizado na cidade, muda o clima de depressão do jovem assassino. As coisas ficam ainda piores quando, irritado com a demora de Ken cumprir suas ordens, seu superior, Harry (Ralph Fiennes), também chega a Bruges para resolver de vez a questão - e descobre que as coisas não serão assim tão fáceis.
O que afasta "Na mira do chefe" dos filmes policiais comuns é seu senso de humor particular. Não interessa a McDonagh um ritmo alucinado, com piadas em série sendo jogadas no rosto do espectador enquanto dezenas de pessoas são feridas e mortas e explosões ocorrem a cada esquina. Sua visão de comédia é mais centrada em ironias, em acontecimentos surreais, em personagens contraditórios. É assim que seus protagonistas, apesar de assassinos de aluguel, são humanos e despertam a simpatia do público. É assim também que um astro de cinema anão se torna peça fundamental no desenlace da trama. E, finalmente, é sem seus diálogos frescos e inteligentes que se encontra o maior tesouro de seu filme: se utilizando de elementos clássicos de gêneros consagrados, McDonagh os funde de forma a criar um novo estilo, que conversa brilhantemente com a filmografia de outros cineastas contemporâneos (em um primeiro olhar, os irmãos Coen e Quentin Tarantino parecem referências óbvias). Em seu filme seguinte, "Sete psicopatas e um shih tzu"(2012), o cineasta iria ainda mais longe em suas tentativas de borrar as linhas entre gêneros - e mais uma vez ficaria restrito à parcela mais alternativa do público.
Por fim, é impossível falar em "Na mira do chefe" sem louvar seu maior acerto: a escalação de elenco. Se Brandon Gleeson surpreende com um personagem que contraria seu tipo físico - e se mostra tão frágil quanto possível em momentos cruciais -, o trabalho de Colin Farrell é precioso. Mais uma vez demonstrando que é um dos mais subestimados atores de sua geração, Farrell constrói um Ray repleto de camadas, todas plenamente críveis e tratadas com sensibilidade ímpar. O ator irlandês - que surgiu como galã e aos poucos foi demonstrando um talento raro - faz rir e emociona com um personagem que, em mãos erradas, poderia facilmente se transformar em alguém patético ou detestável. Sob o domínio de Farrell, o angustiado Ray encontra o intérprete ideal, capaz de cativar a audiência com suas expressões de cão sem dono mesmo com um histórico profissional pouco recomendável. A química entre Gleeson e Farrell é impecável - e a presença de Ralph Fiennes no terço final do filme apenas a valoriza ainda mais. "Na mira do chefe" é uma produção repleta de qualidades memoráveis. É, sem espaço para qualquer dúvida, um dos filmes que merecem ser descobertos e amados.
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