O PIANO (The piano, 1993, CiBy 2000/Jan Chapman Productions/The Australian Film Comnission, 121min) Direção e roteiro: Jane Campion. Fotografia: Stuart Dryburgh. Montagem: Veronika Jenet. Música: Michael Nyman. Figurino: Janet Patterson. Direção de arte/cenários: Andrew McAlpine/Meryl Cronin. Produção: Jan Chapman. Elenco: Holly Hunter, Harvey Keitel, Sam Neill, Anna Paquin, Kerry Walker. Estreia: 15/5/93 (Festival de Cannes)
8 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Direção (Jane Campion), Atriz (Holly Hunter), Atriz Coadjuvante (Anna Paquin), Roteiro Original, Fotografia, Montagem, Figurino
Vencedor de 3 Oscar: Atriz (Holly Hunter), Atriz Coadjuvante (Anna Paquin), Roteiro Original
Vencedor de 2 Palmas de Ouro no Festival de Cannes: Melhor Filme, Atriz (Holly Hunter)
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz/Drama (Holly Hunter)
Quando estava procurando uma atriz para viver Ada McGrath, a protagonista de seu próximo filme, a neozelandesa Jane Campion entrou em contato com o agente Steve Dontanville oferecendo o papel a uma de suas clientes, Sigourney Weaver. Sabendo que Weaver estava disposta a um período de descanso na carreira, para cuidar da filha pequena, Dontanville nem chegou a ela, sugerindo à Campion outra de suas agenciadas, Holly Hunter. - isso depois de uma série de possibilidades, que incluía Anjelica Huston, Jennifer Jason Leigh, Isabelle Huppert, Juliette Binoche e Madeleine Stowe. Meses mais tarde, quando "O piano" já havia se transformado em fenômeno - com duas vitórias no Festival de Cannes, três Oscar e dezenas de outros prêmios - a cineasta declarou, em uma entrevista, que Weaver era o tipo ideal para interpretar Ada, e surpreendeu a heroína da série "Alien", abismada com a ideia de não ter sido sequer consultada por seu agente. O fato é, que, a despeito do grande talento de Weaver, é praticamente impossível imaginar outra atriz no lugar de Hunter: avassaladora em seus silêncios expressivos e em seu trabalho físico, a então queridinha dos cineastas independentes americanos entrou com louvor no rol das maiores atrizes de seu tempo. E em um filme que, com uma visão feminina sobre o amor e o sexo, deixou desconfortável a parcela mais puritana das plateias internacionais.
Tratando a nudez, o sexo e a violência como partes indissociáveis das relações interpessoais, "O piano" se passa nos confins da Nova Zelândia do século XIX. É lá, em um cenário tão fascinante quanto inóspito, que chega a sensível Ada (Holly Hunter, avassaladora) para casar-se com Alistar Srewart (Sam Neill), a quem jamais conheceu pessoalmente e foi prometida por sua família. Junto com Ada estão sua filha pequena, Flora (Anna Paquin) e seu inestimável piano, que lhe serve como meio de comunicação e refúgio. Muda, Ada leva um choque de realidade quando se vê diante de um lugar que contrasta violentamente com seu espírito culto e delicado. Para piorar as coisas, seu marido, bruto e pouco afeito a sutilezas, vende seu piano para um vizinho, o exótico e misterioso George Baines (Harvey Keitel), que adotou o modo de viver dos nativos locais. Sentindo-se irremediavelmente atraído por Ada, ele propõe a Stewart que sua mulher lhe dê aulas de música em troca de terras desejadas pelo empresário. As lições de piano, no entanto, servem para que o surpreendentemente romântico Baines se aproxime do objeto de seu desejo, a quem ele deseja conquistar aos poucos, demonstrando um lado vulnerável e inesperado. Porém, o nascente romance entre os dois acende uma faísca que pode levar a uma tragédia.
Primeiro filme dirigido por uma mulher a ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes - que dividiu com o chinês "Adeus, minha concubina", de Chen Kaige - e vencedor do Oscar de roteiro original, "O piano" foi também um inesperado sucesso popular, conquistando principalmente o público feminino, que viu na história de Ada um reflexo sofisticado da sexualidade através do olhar de uma mulher (Campion foi, à época, recém a segunda diretora a ser indicada na categoria, pela Academia). Ao apresentar cenas de nudez frontal de Holly Hunter e Harvey Keitel - nenhum deles dentro do padrão de beleza hollywoodiana - e sequências de sexo pouco discretas, o filme desafia a mesmice do cinema comercial, exibindo a sexualidade de forma madura e sem filtros. Pontuados pela belíssima trilha sonora de Michael Nyman, os momentos de intimidade entre os protagonistas soam como um sopro de verdade diante dos malabarismos eróticos da maioria da produção americana dos anos 1990. O despertar do amor entre Ada e Baines, visto pelas lentes do diretor de fotografia Stuart Dryburgh, surge como um oásis no meio da vastidão neozelandesa, quase hostil à sensibilidade, e consegue inclusive disfarçar o incômodo de ser fruto de um começo - e aqui há espaço para a polêmica - abusivo. Antes de entregar-se ao amor de Baines, a silenciosa pianista se vê obrigada a abrir mão do próprio corpo para recuperar seu instrumento musical, e nem mesmo a paixão quase cega de seu futuro amante justifica seus atos, por mais que se tente romantizar a situação. É uma questão desconfortável que o roteiro de Campion prefere ignorar.
Porém, se o desenvolvimento do romance entre os
protagonistas é passível de discussão, não o são as maiores qualidades
do filme. Holly Hunter está simplesmente devastadora como Ada, e seu
Oscar é, provavelmente, um dos mais justos da história (no mesmo ano ela
concorreu à estatueta de coadjuvante por seu trabalho em "A firma"), e
Harvey Keitel surpreende em um papel a anos-luz de distância daqueles
durões a que estão todos acostumados. A pequena Anna Paquin, que bateu
nada menos que cinco mil candidatas ao papel da imprevisível Flora e
levou um surpreendente Oscar, está igualmente fascinante, não se
deixando intimidar pela presença gigantesca de Hunter. Dono de cenas de
grande potência dramática - enfatizadas pela melancólica música e pelo
desolador e cruel cenário, "O piano" é, sem dúvida, um dos filmes
fundamentais de sua época, mesmo que hoje em dia soe um tanto
questionável em termos morais. Apesar do viés distorcido do amor - ou
talvez por causa disso, vai saber -, é uma história forte, contada com
paixão e sensibilidade.
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