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sábado
LIGAÇÕES PERIGOSAS
LIGAÇÕES PERIGOSAS (Dangerous liaisons, 1988, Warner Bros, 119min) Direção: Stephen Frears. Roteiro: Christopher Hampton, romance de Choderlos de Laclos, peça teatral de Christopher Hampton. Fotografia: Philippe Rousselot. Montagem: Mick Audsley. Música: George Fenton. Figurino: James Acheson. Direção de arte/cenários: Stuart Craig/Gérard James. Casting: Howard Feuer, Juliet Taylor. Produção: Norma Heyman, Hank Moonjean. Elenco: Glenn Close, John Malkovich, Michelle Pfeiffer, Uma Thurman, Keanu Reeves, Swoosie Kurtz, Mildred Natwick. Estreia: 21/12/88
7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Atriz (Glenn Close), Atriz Coadjuvante (Michelle Pfeiffer), Roteiro Adaptado, Trilha Sonora, Figurino, Direção de arte/cenários
Vencedor de 3 Oscar: Roteiro Adaptado, Figurino, Direção de arte/cenários
"Crueldade" é a palavra preferida da Marquesa de Merteuil. Uma mulher em um mundo dominado por homens, ela vê na sua possibilidade de manipular aqueles a quem considera inferiores sua vingança contra a humanidade em geral. Com o rosto de Glenn Close, ela é a personificação do mal em "Ligações perigosas", brilhante adaptação do romance epistolar de Choderlos de Laclos dirigida pelo inglês Stephen Frears e que concorreu a merecidos 7 Oscar em 1988. Escrito pelo mesmo Christopher Hampton que fez a transição do livro para os palcos londrinos, o roteiro excepcional (vencedor de uma estatueta dourada) consegue transpor para a tela, com perfeição, a futilidade, a maldade e a falta de escrúpulos de nobres franceses entediados que se divertem às custas do sofrimento alheio.
Na interpretação mais espantosa de sua carreira, Close interpreta uma venal Marquesa que, sentindo-se traída em seus brios por um antigo amante, propõe a seu colega de egocentrismo e vaidade Visconde de Valmont (John Malkovich) um jogo de sedução que ele quase descarta como sendo "fácil demais": levar para a cama a inocente e virginal Cécile de Volanges (Uma Thurman, em um papel para o qual foram testadas Drew Barrymore e Sarah Jessica Parker), que está de casamento marcado com um homem que não apenas abandonou a Marquesa como traiu-a com uma amante do Visconde. Para recuperar sua fama de conquistador, o cínico aristocrata concorda com o plano, mas também se dedica a uma sedução muito mais desafiadora. Encorajado por Merteuil - que lhe promete uma tórrida noite caso ele seja bem-sucedido em seus intentos - ele ambiciona levar para sua alcova a virtuosa Madame de Tourvel (Michelle Pfeiffer), uma mulher casada e religiosa.
Praticamente ao mesmo tempo em que "Ligações perigosas", uma outra versão da obra de Laclos também chegou aos cinemas. Dirigido pelo tcheco Milos Forman, "Valmont" não teve a mesma repercussão que o filme de Stephen Frears, apesar do elenco mais jovem (Annette Bening e Colin Firth foram os protagonistas, sendo que Bening substituiu Michelle Pfeiffer, que acertadamente preferiu viver outra personagem da história e foi indicada ao Oscar de coadjuvante por isso). Mas é certo que, mesmo com suas qualidades, a versão de Forman não tem o mesmo peso e a mesma qualidade quase literária e teatral da visão de Frears, injustamente deixado de lado na corrida ao Oscar de direção.
Apesar do roteiro de Hampton (inteligente e sagaz, mas nunca deixando de ser extremamente sexy) ser o sonho de qualquer cineasta que se preze, devido a suas inúmeras possibilidades, é Frears quem conduz com sutileza e elegância uma história calcada basicamente em sexo e suas consequências - quando foi publicado, em 1782, o romance que deu origem ao filme era considerado tão escandaloso que Maria Antonieta o lia às escondidas, com uma capa falsa. Esse conteúdo "picante" de "Ligações perigosas" é que faz, no entanto, que o filme seja tão, mas tão bom que deu origem a um filhote: sua versão modernizada, "Segundas intenções", com elenco adolescente, estreou em 1999 e fez grande sucesso junto a seu público alvo.
"Ligações perigosas" também pode se vangloriar de outras qualidades indispensáveis a um filme com suas pretensões artísticas - e essas qualidades também foram devidamente recompensadas com as estatuetas oferecidas pela Academia. A reconstituição de época é primorosa, tanto em termos visuais quanto quando se trata do comportamento da alta sociedade francesa pré-revolução. O cuidado de Frears em utilizar esses elementos para contribuir com a intrincada trama proposta pelo roteiro faz com que a plateia mergulhe intensamente nos sentimentos dos protagonistas, todos eles enredados em uma teia de luxúria e paixão desesperada.
Mas seria inútil um roteiro coeso e denso e um visual caprichado se Frears não tivesse escalado um elenco tão forte quanto o que escalou. Com exceção de um jovem Keanu Reeves que já mostrava a extrema fragilidade de seus dotes dramáticos, cada ator que surge em cena é de uma excelência a toda prova. Uma Thurman, jovial e ainda bela, apresenta a inocência de sua personagem com delicadeza e sensibilidade. Michelle Pfeiffer, linda como sempre, constrói a decadência amorosa de sua Madame de Tourvel com a firmeza de uma veterana e John Malkovich equilibra com maestria todas as nuances de um Visconde de Valmont venal, ególatra e até mesmo apaixonado. Sua ausência na lista dos indicados ao Oscar de melhor ator do ano ecoa a ausência de Frears na categoria de diretor. Mas é Glenn Close quem rouba descaradamente para si o filme todo, em uma atuação fascinante.
Depois de ter encarnado a psicótica Alex Forrest de "Atração fatal" e ter sido duramente criticada pelo exagero em sua interpretação - apesar da indicação ao Oscar - Close entrega, como a Marquesa de Merteuil uma atuação contida, discreta, quase silenciosa. Seu olhar de ódio, aliado a um tom de voz sussurrante e modos delicados enquanto maquina horrores em sua mente diabólica deram à atriz um dos papéis mais interessantes da história e ela não perde a oportunidade de mostrar seu talento. Em uma das cenais finais, em que ela simplesmente tropeça no salto do sapato diz mais - sem nenhuma palavra - do que páginas e páginas de diálogos seriam capazes. Suas conversas com Malkovich são, sem exagero nenhum, algumas das mais fascinantes que as telas de cinema mostraram ao público.
"Ligações perigosas" é uma aula de como contar uma história utilizando classe, inteligência e sutileza. É o melhor filme de Stephen Frears e injustamente foi preterido no Oscar pelo correto mas não ousado "Rain Man".
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4 comentários:
Oi! Gostei muito do seu blog e dos seus posts, apesar de não ter visto (por enquanto) vários dos filmes que vc cita...rs
Estou te seguindo, ta? Se quiser me visitar tb, será bem-vindo!
http://filmesqueelaviu.blogspot.com
Beijos,
Alice
Clenio, este é um filme que estou a séculos querendo ver, faz um bom tempo que estou a procura, mas meu caro, está difícil!
Depois de ver Glenn Close em "Atração Fatal", fico imaginando se tem como ela melhorar...Preciso ver este filme logo!
Clenio meu cara este filme já é um clássico e me deu vontade de rever.
Esses dias assisti sem compromisso a versão Teen 'Segundas Intensões' que obviamente não é de todo ruim.
Um elenco maravilhoso e inspirado: John, Michelle, Glenn e Uma!
Abraços
Rodrigo
Vou revisar este denso e apimentado filme! Como seu ótimo texto expressou - há um cuidado na direção, no elenco e no roteiro. Eu, sinceramente, penso que merecia oscar de filme! abraço
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