ARMADILHAS DO CORAÇÃO (The importance of being Earnest, 2002, Miramax Films, 97min) Direção: Oliver Parker. Roteiro: Oliver Parker, peça teatral homônima de Oscar Wilde. Fotografia: Tony Pierce-Roberts. Montagem: Guy Bensley. Música: Charlie Mole. Figurino: Maurizio Millenotti. Direção de arte/cenários: Luciana Arrighi/Ian Whittaker. Produção executiva: Uri Fruchtmann. Produção: Barnaby Thompson. Elenco: Colin Firth, Rupert Everett, Reese Witherspoon, Frances O'Connor, Judi Dench, Tom Wilkinson. Estreia: 17/5/02
É triste perceber que um escritor do porte de Oscar Wilde nunca conseguiu ter uma obra sua adaptada decentemente para o cinema. Dono de um estilo próprio, em que mescla uma feroz crítica à Inglaterra de sua época a frases espirituosas e mordazes, o autor irlandês da obra-prima "O retrato de Dorian Gray" foi também um dramaturgo repleto de recursos, assinando comédias hilariantes (dentro do conceito inteligente de hilariante) como "O marido ideal", que foi levado às telas em 2000 pelo inglês Oliver Parker sem fazer muito alarde (apesar de contar com um elenco estelar que incluía Cate Blanchett, Julianne Moore e Rupert Everett). O mesmo Parker tentou de novo, em 2002, adaptando "The importance of being Earnest", que no Brasil levou o estúpido título de "Armadilhas do coração" e nem chegou a ser exibido comercialmente, saindo direto em DVD. O fracasso comercial do filme é injusto, comparado com o número sem fim de comédias sem graça que faturam centenas de milhares de dólares, mas Wilde merecia coisa melhor.
O maior problema de "Armadilhas do coração" é exatamente o que acomete a vasta maioria das "traduções" teatrais para o cinema. Apesar de explorar com segurança os vastos exteriores ingleses, Parker não consegue fugir da impressão de estar realizado teatro filmado - em parte porque os diálogos são muito mais importantes do que a ação, em parte porque em certos momentos tudo soa muito artificial. Ainda que esse exagero no artificial talvez seja proposital (afinal, trata-se de uma farsa), o que funciona em um palco normalmente perde o impacto em uma tela de cinema e é isso que acontece nessa comédia de erros que, apesar do elenco brilhante e de alguns bons momentos de humor, é bem menos engraçada do que poderia ser.
Os dois protagonistas do filme são o milionário Jack Worthing (Colin Firth) e o mimado Algernon Moncrieff (Rupert Everett), amigos inseparáveis que frequentam as mesmas festas calorosas da Londres dos anos 1890. Para sair de sua propriedade no interior sem despertar fofocas, Jack inventa um irmão fictício chamado Ernest, que precisa de suas visitas constantes, e em uma dessas visitas à cidade se apaixona por Gwendolen (Frances O'Connor), prima de Algernon que é criada rigidamente pela mãe, Augusta Bracknell (Judi Dench). Bracknell, uma dama da alta sociedade, exige que Jack (que por engano todos pensam chamar-se Earnest) descubra suas origens antes de ceder a mão da filha a um homem sem pai nem mãe, e o rapaz passa a investigar seu passado. Enquanto isso, Algernon o visita em sua fazenda, assumindo a identidade de Earnest, o irmão problemático, e se encanta por Cecily (Reese Witherspoon), de quem Jack é tutor. O encontro dos dois amigos - em um fim-de-semana em que também estão presentes Gwendolen e sua mãe - se transforma, então, em uma tentativa de esconder suas inúmeras mentiras e mal-entendidos.
Logicamente "Armadilhas do coração" funciona maravilhosamente em um teatro - sua carpintaria dramatúrgica é perceptível até ao mais desatento espectador. Cinema, porém, exige mais do que isso, e Oliver Parker parece não ter aprendido quase nada desde sua estreia como cineasta, adaptando "Otelo", de Shakespeare (que, a despeito de ser a primeira versão com um ator negro no papel central, era fraquinho de doer): não existe, em seu filme, nada que o eleve acima de um entretenimento meramente agradável estrelado por nomes de grande talento. Não há movimentos de câmera, não há nada de novo na edição e até mesmo a trilha sonora parece um tanto deslocada. Se há alguma qualidade redentora ela vem do original de Wilde: suas personagens revolucionárias (as mulheres fumam e são bem mais ativas do que normalmente acontecia em sua época), suas reviravoltas melodramáticas tratadas com deboche e os diálogos irônicos. E enquanto Judi Dench passeia com tranquilidade em sua praia, Reese Witherspoon parece perdida com sua Cecily (bem mais jovem do que a intérprete). Felizmente a química entre Colin Firth e Rupert Everett é excelente e dá bons motivos para arriscar uma conferida.
Oliver Parker voltou a adaptar Oscar Wilde em "O retrato de Dorian Gray", onde se mostrou um tanto mais feliz em algumas escolhas acertadas. Infelizmente o roteiro criou situações que não existiam e que esvaziaram a trama poderosa. Definitivamente, Wilde ainda não encontrou uma adaptação à sua altura. Porém, apesar dos pesares, "Armadilhas do coração" é, no minimo, agradável.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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Um comentário:
Concordo com sua opinião, o filme é uma divertida comédia de erros, valorizada pelo bom elenco.
Abraço
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