3 indicações ao Oscar: Fotografia, Edição de Som, Mixagem de Som
Quando se sabe dos detalhes da vida
do norte-americano Louis Zamperini – contada na biografia escrita por Laura
Hildebrand – uma das primeiras histórias que veem à mente é a do sofredor Jó,
que, testado pelo inclemente Deus do Velho Testamento, pagou seus pecados com
juros altíssimos, sentindo na pele a ira (ou o sadismo) do Criador. Porém,
“Invencível” – segunda incursão da atriz Angelina Jolie como cineasta e a
versão para as telas do livro de Hildebrand – não tem a intenção de fazer um
paralelo religioso entre as agruras do jovem atleta feito prisioneiro de um
campo de trabalhos forçados no Japão da II Guerra Mundial e qualquer personagem
bíblico. Ainda que algumas imagens do filme remetam à ícones cristãos –
Zamperini erguendo um pesado corte de madeira sob a supervisão cruel de um
comandante inimigo, por exemplo – e sua mensagem final glorifique o perdão como
um dos mais nobres sentimentos, “Invencível” é apenas, em uma visão mais direta
e óbvia, um grande drama de guerra, com todos os elementos necessários para
conquistar os fãs do gênero.
Emolduradas pela impecável
fotografia do veterano Roger Deakins (indicado ao Oscar pelo trabalho) e
embaladas pela trilha sonora discreta e eficiente de Alexandre Desplat, as
desventuras de Zamperini servem de matéria-prima para um filme que é um passo à
frente na carreira da bela Jolie como diretora. Depois do pouco visto “Na terra
do amor e do ódio”, falado em bósnio e relativamente bem-sucedido junto à
crítica - já que até uma indicação ao Golden Globe de melhor filme em língua
estrangeira arrebatou – Jolie demonstra uma segurança ímpar ao contar uma
história tão recheada de lances dramáticos que até parece mentira. Sem ousadias
narrativas ou lapsos de brilhantismo, a atriz vencedora do Oscar de coadjuvante
por “Garota, interrompida” (99) constrói um filme de estrutura clássica e
linear, explorando mais a via-crúcis de seu protagonista do que artifícios
técnicos e/ou sentimentalistas. Apesar de sua tendência em enfatizar talvez em
excesso a força do espírito humano diante das adversidades – que parece ser o
tema subjacente de toda a trama – Jolie consegue se manter à margem do piegas
na maior parte do tempo, contando para isso com a ajuda de um roteiro enxuto e
direto escrito pelos experientes irmãos Coen (Joel e Ethan) e William
Goldenberg.
Muito criticado por não acrescentar
nada de novo a um gênero já apinhado de clássicos considerados além do bem e do
mal, “Invencível” decepcionou àqueles que viam nele um forte candidato ao Oscar
2015 – a Academia, que adora histórias de superação pessoal e filmes passados
durante os duros anos da II Guerra, praticamente ignorou a produção,
indicando-a apenas a alguns prêmios técnicos não convertidos em estatuetas. A
recepção bem menos calorosa do que o esperado não faz jus à beleza do filme, no
entanto. Cercada por uma equipe de profissionais de primeira linha, Angelina
Jolie conta sua história com delicadeza feminina, suavizando até mesmo momentos
de extrema violência com enquadramentos que buscam a beleza como forma de
atenuar a dor e a crueldade. Longe da crueza de filmes que retratam o mesmo
período, “Invencível” se destaca por ver a torpeza aflorada em homens no seu
limite envernizada por uma beleza plástica irretocável e quase poética. Mesmo
sem poupar a plateia de cenas decididamente fortes, a sra. Brad Pitt o faz com
elegância e uma sinceridade de que só cineastas ainda não tornados cínicos pela
indústria de Hollywood conseguem manter.
E talvez essa visão ainda romântica
e generosa de Jolie é que tenha lhe aproximado da história de Louis Zamperini,
um homem que, apesar de todas as provações pelas quais passou, ainda manteve a
fé em Deus e na bondade humana. Criança problema tornada um promissor jovem
atleta – chegou a correr nas Olimpíadas de 1940 – Zamperini foi convocado para
defender os EUA na II Guerra. Seu primeiro revés foi ver seu avião abatido
pelas forças inimigas e passar mais de 45 dias em mar aberto, ao lado de dois
companheiros, passando fome e sede, lutando contra o medo de tubarões e
sofrendo de constantes insolações. O segundo talvez tenha sido ainda pior:
resgatado por uma embarcação japonesa, viu-se, ao lado de outros soldados,
prisioneiro em um campo de trabalhos forçados: vítima constante de
espancamentos e humilhações por parte do comandante Watanabe (o astro pop
japonês Miyavi, cuja androginia torna seus confrontos com o protagonista ainda
mais interessantes), Zamperini agarra-se à sua crença religiosa para manter-se
de pé e vivo até o fim do conflito. Corajoso e íntegro, ele chega a recusar,
por lealdade a seu país, a oportunidade de deixar o campo e aliar-se aos
inimigos.
Interpretado pelo ótimo Jack
O’Connell – ator irlandês desconhecido do grande público mas dono de um talento
que lhe aponta um futuro alvissareiro – Louis Zamperini é um personagem de
proporções épicas, um herói moderno que luta pela vida e pela dignidade sem
precisar usar de superpoderes além da fé e da resiliência quase inacreditável.
O’Connell transmite a sensação exata de dor e força do personagem com a
segurança de um veterano, carregando nas costas toda a responsabilidade de
convencer o público de sua garra inabalável. Sua transformação de promessa do
esporte à prisioneiro de guerra é crível e impressionante – ajudada pela
maquiagem discreta e eficaz – e é inegável que boa parte da credibilidade da
história passa por suas mãos. Mais um crédito para Jolie, que escolheu
acertadamente seu ator central e soube dirigí-lo com a firmeza necessária para
impedir exageros grotescos ou minimalismos enfadonhos. Diante de O’Connell fica
difícil ao espectador não se deixar envolver e torcer por um final feliz.
Mesmo não sendo um filme perfeito –
o ritmo em determinados momentos cai um pouco e os flashbacks iniciais soam
deslocados da narrativa, uma vez que não voltam a acontecer no decorrer da
história – “Invencível” é uma obra digna de figurar entre os melhores dramas de
guerra já realizados em Hollywood. Tecnicamente impecável (até mesmo nas cenas
de ação aérea a atriz demonstra habilidade e competência) e dramaticamente
eficiente, conquista pela força da trama, pela inteligência na escolha de seus
profissionais e principalmente pela mensagem de tolerância e paz em um mundo
tão necessitado de tais sentimentos. Não se poderia esperar menos de uma atriz
tão militante em relação à paz mundial. “Invencível” é um belo drama de guerra
que termina deixando o espectador pensando somente na paz. Um belo exemplo.
Um comentário:
Acho que gravei esse filme.
Só falta assistir.
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