O TERCEIRO TIRO (The trouble with Harry, 1955, Alfred J. Hitchcock
Productions, 98min) Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: John Michael
Hayes, romance de John Trevor Story. Fotografia: Robert Burks. Montagem:
Alma Macrorie. Música: Bernard Hermann. Figurino: Edith Head. Direção
de arte/cenários: John Goodman, Hal Pereira/Sam Comer, Emile Kuri.
Produção: Alfred Hitchcock. Elenco: Edmund Gwen, John Forsythe, Mildred
Natwick, Mildred Dunnock, Shirley MacLaine. Estreia: 27/9/55
Quando resolveu filmar a adaptação do romance de Jack Trevor Story chamado “The
trouble with Harry”, Alfred Hitchock havia acabado de filmar o ambicioso e
luxuoso “Ladrão de casaca”, estrelado pelos glamourosos Grace Kelly e Cary
Grant. Sua maior questão era realizar um filme sem grandes astros nos papéis
centrais, como forma de avaliar a reação do público diante de uma narrativa que
não tivesse a dose de previsibilidade que nomes mais conhecidos infalivelmente
apresentam. Em termos de bilheteria seu teste não foi dos mais favoráveis, com
uma bilheteria muito aquém da esperada nos EUA – apesar do sucesso
surpreendente na Europa, em especial na Itália, na Inglaterra e na França, onde
ficou em cartaz por mais de um ano. O filme, uma comédia de humor negro
batizada no Brasil como “O terceiro tiro”, é, de certa forma, um corpo estranho
na filmografia do mestre do suspense, mas, quando visto de perto, apresenta
algumas das maiores características do cineasta.
Acostumado a injetar um senso de humor pouco comum a seus filmes, Hitchcock
fez de “O terceiro tiro” sua obra mais leve, repleta de um frescor e de uma
despretensão encantadores. Colorido ao extremo – as cores das árvores outonais
chegaram a ser pintadas manualmente para melhor servir às intenções do diretor
de macular com a morte uma paisagem viva e aparentemente inofensiva – e apresentando
personagens mais facilmente encontráveis em comédias do que em obras de
suspense, o filme foge do tradicional principalmente ao evitar os caminhos mais
óbvios e surpreender o público a cada sequência, com reviravoltas bem-humoradas
que jamais deixam o ritmo cair.
A primeira cena já dá uma amostra do que virá pela frente: o pequeno Arnie
(Jerry Mathers), brincando na floresta que cerca seu pequeno vilarejo em Vermont,
dá de cara com o corpo de um homem, atingido na cabeça. Antes que ele mostre o
cadáver à sua mãe, a jovem Jennifer Rogers (Shirley MacLaine, estreando nas
telas em grande estilo e tornando-se companheira de farras alimentícias do
diretor), o veterano Capitão Albert Wiles (Edmund Gwenn) imagina ser o culpado
pela morte do infeliz, graças aos três tiros que disparou em sua tentativa de
caçar coelhos. Decidido a enterrar o corpo, ele não deixa que a inusitada
situação o impeça de aceitar o convite da solteirona local, Ivy Gravely
(Mildred Natwick), de tomar um chá com ela algumas horas mais tarde. Enquanto a
vida do local segue a mesma rotina, outros moradores esbarram no defunto, como
o distraído Dr. Greenbow (Dwight Marfield) – que não toma conhecimento do fato
nem mesmo quando literalmente tropeça nele – e o pintor Sam Marlowe (John
Forsythe), que, interessado na bela Jennifer, descobre que o nefasto
acontecimento tem a ver com uma discussão entre ela e a vítima, que é seu ex-marido
Harry. Aos poucos, porém, novas revelações são feitas, e o corpo do
desconhecido é enterrado e desenterrado diversas vezes de acordo com o desenrolar
dos fatos.
Primeira colaboração entre Hitchcock e o compositor Bernard Herrmann, “O
terceiro tiro” segue uma estrutura quase teatral, centrada em diálogos ágeis e
personagens construídos com um pé firme no surreal. Sem apelar para artifícios
técnicos que chamassem mais a atenção que a trama, o diretor parece divertir-se
ao contar uma história simples e em escala menor do que suas grandes e
intrincadas obras-primas – ele chegou inclusive a declará-lo seu filme
preferido. Brincando com um elenco de ótimos atores que exploram cada nuance de
seus personagens – todos com seus segredos e segundas intenções, bem de acordo
com as preferências do cineasta – Hitchcock atinge um dos pontos altos de sua
brilhante carreira sem precisar recorrer a nada mais do que um roteiro conciso
e quase cínico e seu talento superlativo em extrair o melhor de cada cena e
cada diálogo. Uma pequena aula de cinema, mas um filme delicioso e extremamente
agradável.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
segunda-feira
Assinar:
Postar comentários (Atom)
JADE
JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...
-
EVIL: RAÍZES DO MAL (Ondskan, 2003, Moviola Film, 113min) Direção: Mikael Hafstrom. Roteiro: Hans Gunnarsson, Mikael Hafstrom, Klas Osterg...
-
ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA (Presumed innocent, 1990, Warner Bros, 127min) Direção: Alan J. Pakula. Roteiro: Frank Pierson, Alan J. Paku...
-
NÃO FALE O MAL (Speak no evil, 2022, Profile Pictures/OAK Motion Pictures/Det Danske Filminstitut, 97min) Direção: Christian Tafdrup. Roteir...
Nenhum comentário:
Postar um comentário