NASCE UMA ESTRELA (A star is born, 1954, Warner Bros, 154min) Direção: George Cukor. Roteiro: Moss Hart, roteiro original de Dorothy Parker, Alan Campbell, Robert Carson. Fotografia: Sam Leavitt. Montagem: Folmar Blangsted. Música: Ray Heindorf. Figurino: Jean Louis, Mary Ann Nyberg. Direção de arte/cenários: Gene Allen/George James Hopkins. Produção: Sidney Luft. Elenco: Judy Garland, James Mason, Jack Carson, Charles Bickford, Tom Noonan, Amanda Blake, Lucy Marlow. Estreia: 29/9/54
6 indicações ao Oscar: Ator (James Mason), Atriz (Judy Garland), Trilha Sonora Original, Canção Original ("The man that got away"), Figurino em Cores, Direção de Arte/Cenário em Cores
Vencedor de 2 Golden Globes: Ator/Comédia ou Musical (James Mason), Atriz/Comédia ou Musical (Judy Garland)
Irreverente como sempre, o humorista Groucho Marx declarou, em certa
ocasião, que a derrota de Judy Garland na disputa pelo Oscar de 1954 foi o
maior roubo da história desde o assalto ao carro-forte da transporadora de valores norte-americana Brinks, ocorrido em 1950. Brincadeiras à parte, Garland, que concorria ao prêmio
por seu desempenho em “Nasce uma estrela”, nem estava presente à cerimônia que
consagrou Grace Kelly por “Amar é sofrer”: na noite de 30 de março de 1955, ela
estava no hospital, com seu filho caçula nos braços. Sua derrota - quase inesperada, uma vez que já contava com um Golden Globe em casa - foi apenas mais um golpe no filme de George Cukor, a terceira versão de uma história que ainda voltaria às telas em 1976, estrelada por Barbra Streisand e Kris Kristofferson. Com uma realização repleta de problemas, atrasos por conta das instabilidades emocionais e de saúde de Garland, orçamento estourado e uma bilheteria muito aquém da esperada, o romance atribulado entre uma jovem e ambiciosa cantora e um astro decadente de cinema passou por cortes na metragem original e acabou por dar fim ao casamento entre sua atriz principal e o produtor Sidney Luft - que além de tudo tiveram seus contratos financeiros com a Warner encerrados com a confusão.
Na verdade, a história dos bastidores de "Nasce uma estrela" já seria digna de um outro filme, tão cheio de acontecimentos dramáticos quanto o que se desenrola na tela. Só a escolha do ator central rendeu muitas dores de cabeça aos produtores. Por tratar-se do papel de um ator de Hollywood com problemas de bebida e em franca decadência, muitos astros de primeira grandeza fugiram da ideia como o diabo da cruz. A lista é grande: Humphrey Bogart, Gary Cooper, Henry Fonda, Errol Flynn, Ray Milland, Gregory Peck, Tyrone Power, James Stewart e Robert Taylor foram sondados e não aceitaram. Laurence Olivier não agradava ao estúdio. Frank Sinatra era, então, considerado veneno de bilheteria (apesar de ser o preferido de Judy Garland e seu marido produtor). Montgomery Clift achou o papel parecido demais consigo mesmo e teve medo de enfrentar seus fantasmas pessoais. Richard Burton estava ocupado filmando "O manto sagrado". Foi então que Cary Grant entrou na jogada, disposto a acabar com as preocupações da Warner. Mas a alegria durou pouco.
Logo após de ter aceitado o papel de Norman Maine, o veterano Grant surpreendeu os produtores ao voltar atrás, alegando que sua recusa tinha a ver com sua semi-aposentadoria - a desculpa foi desmentida depois de sua morte, quando sua viúva finalmente reconheceu que a desistência do ator teve muito mais a ver com os problemas enfrentados por Judy Garland e seu vício em barbitúricos do que por seu afastamento das telas. Com o problema do protagonista ainda por resolver, o diretor escolhido pelo estúdio, George Cukor, chegou a oferecer o papel para o jovem Marlon Brando enquanto o ator filmava "Julio Cesar" (53) - e por acaso encontrou a solução para seu dilema em um coadjuvante do filme de Joseph K. Mankiewicz chamado James Mason, apontado por Brando como a escolha ideal para viver um astro decadente e alcoólatra. Com Mason em cena, tudo apontava para um período de paz, com a experiência de Cukor e o talento de Garland garantindo um sucesso que parecia inevitável. Mas então as dificuldades ficaram a cargo da mãe da futura atriz Liza Minelli.
Dedicada às filmagens no início dos trabalhos, aos poucos Garland começou sua trajetória errática, faltando aos sets com uma frequência muito maior do que a Warner gostaria. Alegando doença, cansaço ou até mesmo discordância com os figurinos, a atriz se afastava continuamente do trabalho - sendo que nem sempre seus motivos de falta eram reais, como mostravam os jornais de fofoca especializados em cinema, que sabiam perfeitamente que ela era vista em boates, cantando enquanto deveria estar em casa descansando. Somados a isso, problemas com o novo sistema widescreen desenvolvido pela Warner - descartado depois de duas semanas de filmagem - atrasaram o cronograma proposto no início das gravações e estenderam o trabalho por árduos dez meses e com um custo de mais de 5 milhões de dólares, que faziam dele o mais caro filme do estúdio até então. Mas nem mesmo o fim dessa etapa e o lançamento de "Nasce uma estrela", em setembro de 1954, deram fim às tensões entre os produtores.
Depois de uma pré-estreia luminosa, aplaudida e calorosamente elogiada pela plateia e pelos fãs, "Nasce uma estrela" começou uma via-crucis que se estenderia por quase três décadas em busca de uma versão final. Considerando os 181 minutos da primeira versão longos demais, Harry Warner (um dos diretores do estúdio) exigiu um corte de meia-hora na montagem final. Longe de Cukor - que já estava envolvido em outro projeto - essa nova edição chegou às telas sob pesadas críticas da imprensa e, consequentemente, falhou em conquistar o público. Fracasso de bilheteria, o filme só voltou a ter uma nova chance junto à audiência nos anos 70, quando o historiador de cinema Ronald Haver despertou a curiosidade do estúdio durante uma retrospectiva em homenagem a George Cukor: na sua versão de "Nasce uma estrela", ele completava as cenas que faltavam no original com fotos tiradas durante as filmagens. Começava assim a segunda chance do musical - sem as cenas cortadas, que foram queimadas ainda na década de 50, mas com a trilha sonora inteira ainda gravada. Demorou ainda quase uma década até que, em julho de 1983, uma edição especial, com 154 minutos de duração, finalmente alcançou uma nova geração - sem a presença de Cukor, que morreu antes de ver sua obra restaurada. Mas vale a pena, afinal de contas?
Sim e não. Conforme o próprio James Mason afirmou em diversas ocasiões, alguns números musicais parecem deslocados da narrativa - em especial o incensado "Born in a trunk", com longos 15 minutos de duração - e emperram o ritmo da história, que deixa de ser o romance destrutivo entre o derrotado Norman Mainer e a promissora Esther Blodgett - transformada na idolatrada Vicki Lester - para virar um veículo para os dotes dramáticos e canoros de Garland, que, justiça seja feita, está sensacional em ambos os setores. Todo o drama que envolve o casal central acaba diluído com todas as músicas espalhadas pelo filme, o que deslumbra os fãs do gênero mas pode, sem dúvida, aborrecer aos menos entusiastas. Em seu último grande trabalho como protagonista - ela ainda seria indicada ao Oscar de coadjuvante em 1961, por "Julgamento em Nuremberg" - Garland brilha tanto como as cores da fotografia de Sam Leavitt, mas não impede que, em determinado ponto da projeção, o público esteja um tanto cansado de tanta música e tão poucas cenas em que ela pode explorar seu lado de atriz dramática. Ainda assim, um clássico que jamais deixará de ser amado por seus fãs.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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