terça-feira

SEM DESTINO

 


SEM DESTINO (Easy rider, 1969, Columbia Pictures, 95min) Direção: Dennis Hopper. Roteiro: Peter Fonda, Dennis Hopper, Terry Southern. Fotografia: Laszlo Kovacs. Montagem: Donn Cambern. Direção de arte: Jerry Kay. Produção executiva: Bert Schneider. Produção: Peter Fonda. Elenco: Peter Fonda, Dennis Hopper, Jack Nicholson, Karen Black, Toni Basil. Estreia: 12/5/69 (Festival de Cannes)

2 indicações ao Oscar: Ator Coadjuvante (Jack Nicholson), Roteiro Original

Se metade das histórias sobre sua produção são verdadeiras, é um milagre que "Sem destino" tenha chegado às telas, e, mais ainda, que tenha se tornado um dos filmes mais icônicos da história do cinema norte-americano. Considerado um marco inicial do que se convencionou chamar de Nova Hollywood - uma série de produções que iam de encontro à formalidade narrativa e estética da era dos estúdios -, o filme estrelado por Peter Fonda e Dennis Hooper custou uma ninharia (pouco mais de 350 mil dólares) e quase imediatamente adquiriu o status de cult, conquistando um público sedento por ver, nas salas escuras, um reflexo mais realista e menos dourado da sociedade do final dos anos 1960, onde drogas, violência e sexo livre conviviam - nem sempre pacificamente - com a hipocrisia do american way of life. Lançado no Festival de Cannes de 1969, depois de um longo processo de edição que condensou mais de três horas e meia  em palatáveis noventa e cinco minutos, "Sem destino" é um retrato cru e surpreendentemente pessimista de um dos períodos de maior ebulição social dos EUA.

Tendo como protagonistas dois anti-heróis que destoavam dos mocinhos românticos e éticos que povoavam (e limitavam) o cinema de então, "Sem destino" é um road movie no sentido mais literal do termo, ao conduzir o espectador por uma viagem que, mais do que simplesmente ter um objetivo concreto, serve como uma metáfora da liberdade, tão ansiada especialmente pelos jovens, revoltados pela escalada da violência na Guerra do Vietnã e ativos nas lutas pelos direitos civis. Utilizando moradores locais como atores e subvertendo as regras da indústria - a maioria das cenas externas foram filmadas com luz natural e os diálogos eram improvisados conforme orientações básicas -, o filme (que Roger Corman declinou de produzir, para seu arrependimento posterior) é surpreendentemente coeso e consistente, ao menos dentro de seus objetivos artísticos e ideológicos. Dirigido por um Dennis Hopper no auge de seu problema com drogas - o que causava constantes conflitos com a equipe e com o próprio colega de cena e produtor Peter Fonda -, "Sem destino" também inovou na construção de sua trilha sonora: ao contrário de usar música original, os comentários à ação surgiam de canções já consagradas de gente como Steppenwolf, The Byrds e The Band, cujo som remetiam imediatamente à atmosfera de liberdade proposta pelo roteiro, que aliás, também fugia do tradicional.

 

Há versões diferentes quando se trata de falar sobre o processo de escrita de "Sem destino": uma delas afirma que Fonda e Hopper escreveram um rascunho de aproximadamente doze páginas e improvisaram os diálogos durante as filmagens; em outra versão, o roteirista Terry Southern juntou-se aos dois protagonistas em um porão e, sob o efeito de maconha, ditaram o texto para um gravador; e por fim, Southern declarou que escreveu tudo sozinho e acrescentou o nome dos atores a pedido deles, encantados com o resultado final. O fato é que, apesar de uma inesperada indicação ao Oscar da categoria, o roteiro é mero pretexto para uma declaração de amor à liberdade. Wyatt (Peter Fonda) e Billy (Dennis Hopper) são dois amigos hippies que, depois de vender uma partida de cocaína, resolvem empreender uma viagem de moto pelas estradas dos EUA, com o objetivo de chegar a Nova Orleans a tempo do Mardi Gras. Pelo caminho, eles encontram um país dividido entre pessoas ainda herméticas a estilos de vida alternativos e grupos buscando novas maneiras de encarara e realidade. É nesse segundo grupo que se encontra o jovem advogado George Hanson (Jack Nicholson, indicado ao Oscar de ator coadjuvante), a quem conhecem em uma noite na cadeia.

Um indiscutível clássico da contracultura - e fundamental na história do cinema do século XX -, "Sem destino" se beneficiou, além de sua precisão cronológica, de uma dupla de atores centrais que são a cara de sua época. Foi um acerto de Peter Fonda em convencer Dennis Hopper a voltar a atuar, prometendo-lhe a cadeira de diretor se ele desistisse da ideia de abandonar o cinema para tornar-se professor: mesmo conduzindo os trabalhos de forma errática, o rebelde veterano (com 36 anos de idade durante as filmagens) desafiou chefes de estúdio, membros da equipe e até mesmo seu amigo/colega/produtor para imprimir sua personalidade ao produto acabado. Mesmo que talvez boa parte tenha sido sorte de principiante, é inegável que, com outro diretor, a história não teria sido a mesma.

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