quinta-feira

AMARGO PESADELO


AMARGO PESADELO (Deliverance, 1972, Warner Bros, 110min) Direção: John Boorman. Roteiro: James Dickey, baseado em seu romance homônimo. Fotografia: Vilmos Zsigmond. Montagem: Tom Priestly. Casting: Lynn Stalmaster. Produção: John Boorman. Elenco: Burt Reynolds, Jon Voight, Ned Beatty, Ronny Cox, Bill McKinney, Herbert "Cowboy" Coward. Estreia: 30/7/72

3 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (John Boorman), Montagem

Existe uma corrente de pensamento que afirma que a natureza, quando desafiada, é capaz de punições devastadoras. Exemplos de terremotos, maremotos e afins não faltam para, de certa forma, confirmar a teoria. No entanto, o castigo da natureza pode vir de forma menos escandalosa, como mostra "Amargo pesadelo", adaptação do romance de James Dickey que chegou aos cinemas em 1972 dirigido pelo inglês John Boorman. Ao confrontar quatro homens urbanos e auto-suficientes com um caudaloso rio repleto de corredeiras, uma mata pouco amistosa e montanheses sádicos, Dickey e Boorman criaram um dos filmes mais ousados do início da década de 70, repleto de uma violência física e psicológica quase impensável mesmo para os dias de hoje, com a plateia já anestesiada com a dieta sanguinária dos filmes de ação pós-Schwarzenegger. Mais do que simplesmente um filme violento, "Amargo pesadelo" é assustadoramente real e é isso que o torna tão especial a ponto de receber indicações ao Oscar de Melhor Filme e Diretor (para seu azar, justamente no mesmo ano de "O poderoso chefão" e "Cabaret").

Talvez o maior mérito do roteiro de "Amargo..." seja ter conseguido criar personagens verossímeis envolvidos em uma trama quase surreal: quatro amigos da cidade grande resolvem tirar um fim-de-semana longe das famílias e do agito da metrópole para contemplar a natureza. Seu objetivo, na verdade, é desafiar as violentas corredeiras de um rio que está em vias de ser transformado em lago devido à construção de uma represa. Liderados por Lewis (Burt Reynolds em papel recusado por Charlton Heston e Henry Fonda), eles desejam usufruir da bucólica paisagem antes de voltar às suas corridas rotinas. As coisas começam a sair do normal quando dois integrantes do grupo, Ed (Jon Voight) e Bobby (Ned Beatty) são atacados por dois truculentos montanheses. Amarrado em uma árvore, Ed presencia Bobby sendo estuprado por um dos criminosos, mas escapa de ser também abusado quando Lewis mata um dos agressores com uma flechada. É o início de uma angustiante jornada em direção ao desespero.


Depois que a tragédia começa, a natureza, que antes servia como paisagem e um perfeito exemplo de tranquilidade e paz, transforma-se, também ela, em uma vilã. Presos em um lugar que não conhecem, os amigos precisam decidir como agir com o cadáver de um homem em suas mãos e a ameaça de outro a suas costas. Dissonante do resto do grupo, que prefere esconder o corpo da vítima de Lewis, o último viajante, Drew (Ronny Cox) entra em conflito com eles, complicando ainda mais as coisas.

John Boorman não poupa ninguém em seu filme mais famoso e que quase lhe deu um Oscar. Apesar de ter pego mais leve do que no livro, ele explicita cenas que são chocantes e desagradáveis sem ter medo de afastar seu público. Quando, no terço final do filme, o desajeitado Ed assume a liderança da travessia, Boorman leva a plateia junto em sua desesperada luta pela sobrevivência e sanidade física, e para isso, conta com um elenco exemplar.

Apesar de Lee Marvin e Marlon Brando terem sido cotados para os papéis centrais, Burt Reynolds e Jon Voight apropriam-se das personagens com desenvoltura e inteligência. Logo em seguida Reynolds transformaria-se em êxito de bilheteria com filmes mais leves de aventura, enquanto Voight seguiria firme rumo à credibilidade artística que culminaria com um Oscar seis anos depois, por "Amargo regresso".

Lembrado por sua famosa cena onde Drew participa de um duelo de banjos com um caipira com problemas mentais, "Amargo pesadelo" tem um título nacional bastante apropriado. Se Kafka fosse escrever um romance passado junto à natureza, certamente seria como este.

2 comentários:

Paulo Alt disse...

As imagens que colocou me lembrar "Nas Montanhas dos Gorilas" com a Sigourney, não sei pq, rs.

Clenio,
se meu gravador de dvd não tivesse quebrado procuraria ele pela internet agora pra assistir. Vou procurar se existe alguma edição em dvd.

Li toda sua crítica e adicionei esse blog no bloghall do meu. Pq vale mto a pena.

Abraço!

pseudo-autor disse...

Uma das experiências cinematográficas mais impressionantes que eu já tive em toda a minha vida. Recomendo, do mesmo diretor, Excalibur. Vale cada segundo!

Cultura? O lugar é aqui:
http://culturaexmachina.blogspot.com

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