REVELAÇÕES (The human stain, 2003, Miramax Films, 106min) Direção: Robert Benton. Roteiro: Nicholas Meyer, romance de Philip Roth. Fotografia: Jean-Yves Scoffier. Montagem: Christopher Tellefsen. Música: Rachel Portman. Figurino: Rita Ryack. Direção de arte/cenários: David Gropman/Claude Leclair. Produção executiva: Ron Bozman, Steve Hutensky, Eberhard Kayser, Andre Lamal, Michael Ohoven, Rick Schwartz, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Gary Lucchesi, Tom Rosenberg, Scott Steindorff. Elenco: Anthony Hopkins, Nicole Kidman, Ed Harris, Gary Sinise, Wentworth Miller, Jacinda Barrett. Estreia: 29/8/03 (Festival de Veneza)
Em Hollywood existe um termo chamado miscasting, que é o que ocorre quando um filme apresenta algum erro grosseiro de escalação de elenco. Às vezes tais erros são passíveis de perdão - principalmente quando acontece uma reversão de expectativas e um ator dado como inadequado surpreende todo mundo - mas em muitos casos fica difícil de engolir. É o que acontece com "Revelações", dirigido por Robert Benton - que, no final dos anos 70, emocionou o mundo com "Kramer vs Kramer": por melhores atores que sejam, Anthony Hopkins e Nicole Kidman estão absolutamente fora do lugar nesta adaptação do romance "A marca humana", de Philip Roth - e o título em português também não deixa de ser de uma preguiça estapafúrdia. Nem mesmo a magia do cinema é capaz de convencer o espectador, por mais boa-vontade que ele tenha, de que Hopkins é mulato e Kidman uma faxineira desleixada e com um passado repleto de traumas. Talvez justamente devido a essa absurda escalação de elenco o filme tenha naufragado lindamente, tanto no mercado doméstico quanto no estrangeiro - além de não ter tampouco agradado à crítica.
Na verdade o filme de Benton tem muitos outros problemas. Apesar de francamente inteligentíssimo, Philip Roth é um escritor pesado, com estilo pouco cinematográfico e bastante intimista, o que por si só já é um desafio enorme a qualquer roteirista. Em "A marca humana" a coisa fica ainda mais complicada por contar não apenas uma história, mas várias ramificações de um mesmo tema: a força do passado e suas consequências no presente estão por todo o filme, permeando as decisões das personagens e lhes empurrando em direção a outras decisões - que por sua vez, também trarão resultados nem sempre felizes. Unir em um roteiro coeso - e facilmente digerível a uma plateia cada vez menos acostumada a pensar - tudo isso não é tarefa das mais fáceis. E nem sempre Nicholas Meyer consegue atingir seus objetivos.
O filme começa quando o professor Coleman Silk (Anthony Hopkins) é demitido da universidade onde lecionava, acusado de racismo. Sua demissão acaba resultando na morte da esposa, e Silk, aturdido e convencido de que sua morte foi provocada pela intolerância de seus superiores, trava amizade com o escritor Nathan Zucker (Gary Sinise interpretando uma personagem constante na bibliografia de Roth) e começa a contar-lhe sua história de vida, que esconde um segredo que ele manteve durante mais de cinquenta anos: humilhado por sua condição de mulato, Silk (vivido na juventude pelo surpreendente Wentworth Miller, que faria sucesso anos mais tarde na série "Prison break") reiventou sua origem para manter uma bem-sucedida carreira e fazer um bom casamento, deixando para trás toda a sua família. Na maturidade, esses fantasmas o perturbam e o aproximam de Faunia Farley (Nicole Kidman), uma faxineira cuja vida familiar também possui um trauma irreparável.
Apesar do romance entre Silk e Faunia jamais convencer - assim como o background de suas personagens não soarem verdadeiros mesmo quando os atores estão dando o melhor de si em cada cena - o filme de Benton cresce bastante quando mostra o passado do professor. Não deixa de ser uma surpresa perceber que, em um filme estrelado por dois vencedores do Oscar, um novato seja o maior destaque. Vivendo de forma orgânica e sentimental os dramas de sua personagem, o jovem Wentworth Miller rouba a cena descaradamente, mesmo que não precise fazer longos discursos ou buscar lágrimas forçadas. É quando o rapaz aparece em cena que "Revelações" mostra um pequeno vislumbre do que poderia ter sido, caso as escolhas certas tivessem sido feitas em sua pré-produção. Toda a trama envolvendo a juventude de Coleman Silk - do preconceito sofrido pela família da namorada até o rompimento traumático com a própria mãe - pulsa repleta de verdade e sentimento, fazendo com que a audiência se importe com ele e até mesmo compreenda seus atos (que serão ironicamente jogados contra ele no futuro).
No final das contas, "Revelações" é um filme que poderia ter sido muito bom, mas que caiu na vala de suas boas intenções. Desperdiçando até mesmo o ótimo Ed Harris (aqui na pele do ex-marido vingativo de Nicole Kidman), é um trabalho menor de Robert Benton, recomendável apenas pela atuação de Miller - e para os fãs inveterados de Hopkins e Kidman.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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