M. Night Shyamalan é um cineasta preso em seu próprio sucesso. Depois que "O sexto sentido" o transformou em uma das maiores revelações de Hollywood praticamente da noite pro dia, ele se viu obrigado pela mídia e pelo público a seguir a mesma fórmula de sempre. Foi por isso que seu filmaço "Corpo fechado" não obteve o mesmo reconhecimento - erro absurdo de marketing -, que "Sinais" dividiu a crítica - apesar do êxito comercial - e que "A vila" incorreu na ira da plateia - por seu final pseudosurpresa fraco e anticlimático. E foi por isso também que seu "A dama na água" tropeçou insofismavelmente nas bilheterias. Primeiro filme do diretor na Warner - depois de um rompimento com a Disney que rendeu o livro "The man who heard voices: Or, how M. Night Shyamalan risked his career on a fairy tale" - seu conto de ninar de clima onírico e ecologicamente correto foi mal compreendido e configurou-se no primeiro fracasso de sua carreira.
Para se gostar de "A dama na água" é imprescindível que se compre a ideia e mergulhe nela (sem trocadilho) de cabeça. Diferente dos trabalhos anteriores do cineasta, que tinham o pé bem fincado na realidade mesmo quando as personagens lidavam com gente morta e invasões alienígenas, aqui a coisa é bem diferente. Apesar de seu protagonista ser extremamente humano - e um humano repleto de problemas pessoais e sem nenhum tipo de glamour hollywoodiano - tudo gira em torno de um ser mítico e criado pela imaginação de Shyamalan: uma ninfa da água, que, com seu surgimento, transforma a vida de um grupo de pessoas que mora em um condomínio de classe média baixa. O toque de gênio do diretor - e que faz dele tão diferente da maioria de seus colegas - é mesclar a fantasia com a realidade de forma tão orgânica que em pouco tempo a audiência nem está mais questionando o fato de que tudo é uma desvairada obra de ficção.
Depois de anos amargando papéis secundários - e de ter sido ignorado pelo Oscar justamente quando atingiu a protagonização em "Sideways, entre umas e outras" - o ator Paul Giamatti assume o papel de protagonista como Cleveland Heep, o zelador de um condomínio que começa a perceber que, contrariando as regras do lugar, alguém anda utilizando a piscina depois das sete da noite. Tentando descobrir qual dos moradores é o culpado, ele chega até à misteriosa Story (Bryce Dallas Howard), uma ninfa que se sente impedida de voltar a seu lar devido a ameaças de estranhas criaturas que rondam o condomínio. Intrigado com a história, Heep passa a investigar as origens de sua nova hóspede e descobre que ela está ali para incentivar a escrita de um livro que, no futuro, será essencial para a humanidade. Para evitar que o monstro mate a etérea criatura, Heep precisa descobrir, através de inúmeros símbolos descritos por Story, quais são as pessoas do condomínio que irão lhe ajudar na missão de salvá-la.
Contando em absoluto tom de fábula - ainda que não hesite em criar sequências de grande suspense - "A dama na água" surgiu das histórias que Shyamalan contava para suas filhas na hora de dormir e isso fica evidente na forma delicada com que o roteiro se desenvolve. Utilizando um senso de humor quase inexistente em seus filmes anteriores, o cineasta conduz o espectador a uma viagem que lhe exige uma temporária suspensão da realidade. Ao espalhar elementos clássicos das histórias de ninar pela narrativa, o diretor consegue, de forma exemplar, mostrar mais uma vez sua criatividade e sensibilidade raras. Mesmo que por vezes tudo fique um pouco forçado demais - o desenho da criatura que persegue Story chega perigosamente perto do fake - é impossível deixar de aplaudir sua coragem de manter a integridade de sua carreira, por pior que tenha sido o resultado em termos de dólares. "A dama na água" é um belo filme, que merece ser redescoberto e admirado.
Um comentário:
Eu gosto muito desse filme!
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