O MONSTRO DA LAGOA NEGRA (Creature from the Black Lagoon, 1954, Universal Pictures, 79min) Direção: Jack Arnold. Roteiro: Harry Essex, Arthur Ross, estória de Maurice Zimm. Fotografia: William E. Snyder. Montagem: Ted J. Kent. Direção de arte/cenários: Hiylard Brown, Bernard Herzbrun/ Russell A. Gausman, Ray Jeffers. Produção: William Alland. Elenco: Richard Carlson, Julie Adams, Richard Denning, Antonio Moreno, Nestor Paiva, Whit Bissell. Estreia: 12/02/54
Se não fosse uma história real, até pareceria uma daquelas lendas tão caras
à Hollywood: mexendo nas lixeiras da Universal, um faxineiro encontrou uma
fantasia estranha que serviria como uma luva para que seu filho pequeno
brincasse no feriado de Halloween. Anos mais tarde, o tal menino, já crescido
para se entregar à clássica tradição norte-americana, vendeu tal fantasia para
um escritor de ficção científica, que reconheceu naquela bizarra figura mais um
dos famosos “monstros da Universal” – pacote que incluía, desde os anos 40,
nomes como Drácula, Frankenstein, O Homem Invisível e Dr. Jekyll & Mr.
Hyde. Sem gozar do mesmo prestígio de seus colegas, nascidos nas páginas de
romances consagrados, “O Monstro da Lagoa Negra” acabou sendo relegado a
segundo plano com o passar dos anos, mesmo que tenha feito sucesso suficiente
para render duas continuações. Rodado em 3D – cinquenta anos antes que tal
artifício virasse moda – o filme surpreende, ainda hoje, pelo cuidado com as
imagens subaquáticas, que suplanta, por muitos momentos, uma história sem
maiores surpresas.
Surgido de uma lenda a respeito de uma criatura humanoide que supostamente
vivia na América do Sul – e que chegou até o produtor William Alland através do
fotógrafo mexicano Gabriel Figueroa – o roteiro de “O Monstro da Lagoa Negra” parte
de uma premissa muito explorada pelos filmes de ficção científica e não tem
medo de apelar para os clichês mais deslavados, ainda que, à época, muita coisa
ainda fosse relativamente novidade. As cenas iniciais lembram “Jurassic Park,
parque dos dinossauros”, mostrando o experiente cientista Carl Maia (Antonio Moreno) descobrindo, em uma
expedição ao Amazonas, a pata fossilizada de uma criatura desconhecida. Com o objetivo de descobrir do que se trata e se há mais resquícios de antiga civilização no local, ele contrata um grupo de outros cientistas, liderado por David Reed (Richard Carlson) e sua namorada, Kay Lawrence (Julie Adams). Depois de um bom tempo à procura de algo empolgante, eles estão prestes a desistir da empreitada quando finalmente descobrem um ser meio humano/meio réptil que vive debaixo d'água e que começa a fazer vítimas entre os membros do grupo. Estranhamente, porém, ele evita atacar Kay, por quem parece nutrir sentimentos humanos.
Mesmo que o visual da criatura seja muitas vezes um tanto tosco, “O Monstro
da Lagoa Negra” se destaca principalmente pela excelência de suas tomadas
subaquáticas, cortesia do diretor de fotografia William E. Snyder, que antecipa em duas
décadas o famoso “ponto de vista do monstro” tornado célebre por Steven
Spielberg em “Tubarão” (75). Ambicioso em seu desejo de conquistar o público
através dos efeitos em 3D, o cineasta Jack Arnold sabia ter em mãos a possibilidade de
uma rentável série, a ponto de deixar em aberto o destino do temível
protagonista para prováveis continuações – que obviamente chegaram às telas
poucos anos mais tarde. Localizando sua trama em um Amazonas verossímil, com
placas sinalizadoras escritas em português e nativos com nomes críveis como
Tomás e Luís – coisas que cineastas modernos simplesmente ignoraram, como
mostram filmes como “Anaconda”, rodado no Brasil em 1996 – o diretor muitas
vezes escorrega em sequências dignas de Ed Wood, mas seu respeito com a
história e os personagens acaba por ser maior que os “defeitos especiais”.
A criatura – que ficou a cargo de Milicent Patrick, embora o responsável
pelo departamento de maquiagem da Universal da época, Bud Westmore, tenha
levado o crédito – é, perceptivelmente, pouco requintada. Sempre que o monstro
surge em cena e parte para o ataque (fatalmente vitimando os pobres
coadjuvantes que estão em cena apenas para morrer) é difícil segurar o riso,
especialmente em vista os progressos dos efeitos visuais conquistados pelo
cinema durante as cinco décadas que separam sua estreia dos dias de hoje. Mas
“O Monstro da Lagoa Negra” tem, a seu favor, uma inocência encantadora e a
entrega absoluta de seu elenco, que compra sem reservas uma premissa um tanto
absurda mas que pode divertir a todos que procuram entretenimento
despretensioso. Para quem tem preconceito, uma dica: um dos fãs de “O Monstro
da Lagoa Negra”, e que o assistia todos os anos no dia de seu aniversário era o
respeitado, sério e aparentemente melancólico Ingmar Bergman. Quem diria que o
homem por trás de petardos emocionais como “Persona” e “Morangos silvestres”
também tinha seu lado trash?
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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