INDIGNAÇÃO (Indignation, 2016, RT Features/X-Filme Creative Pool, 110min) Direção: James Schamus. Roteiro: James Schamus, romance de Philip Roth. Fotografia: Christopher Blauvelt. Montagem: Andrew Marcus. Música: Jay Wadley. Figurino: Amy Roth. Direção de arte/cenários: Inbal Weinberg/Philippa Culpepper. Produção executiva: Stefanie Azpiazu, Jonathan Bronfman, Avy Eschenazy, Logan Lerman, Sophie Mas, Woody Mu, Lourenço Sant'Anna, Lisa Wolofsky. Produção: Anthony Bregman, James Schamus, Rodrigo Teixeira. Elenco: Logan Lerman, Sarah Gadon, Danny Burnstein, Tracy Letts, Linda Emond. Estreia: 24/01/16 (Festival de Sundance)
Um dos mais celebrados escritores norte-americanos, Philip Roth não teve a mesma sorte das livrarias quando adaptado para o cinema. Dono de uma prosa contundente e sofisticada, ele viu seu mais famoso romance, "A marca humana", chegar às telas sob a direção de Robert Benton em uma versão apenas morna estrelada por Anthony Hopkins e Nicole Kidman chamada "Revelações" (04) e "O animal agonizante" ganhar o mundo sem muito alarde como "Fatal", dirigido por Isabel Coixet e estrelado por Ben Kingsley e Penelope Cruz em 2008. Normalmente explorando em sua premiada literatura o universo da imigração judaica nos EUA e a luta do homem contra seus instintos sexuais, Roth é um autor que exige a compreensão absoluta de um dos elementos mais difíceis de traduzir na tela: estados de espírito. Seus personagens, frequentemente torturados por pensamentos angustiados e grande senso crítico em relação ao mundo em que vivem, não encontravam eco fora das páginas até que James Schamus - produtor de importantes filmes de Ang Lee, como "Tempestade de gelo" (97) e "O tigre e o dragão" (2000) - resolveu que era hora de mudar esse cenário. Surge "Indignação", a melhor e mais tocante transposição do universo de Philip Roth para a sétima arte.
Com uma estreia discreta no Festival de Sundance de 2016 e um lançamento pouco ambicioso depois de passar por uma série de outros festivais de cinema, "Indignação" é um drama poderoso e emocionante, que toca em diversos nervos da sociedade norte-americana, movida a hipocrisias e preconceitos, ao contar uma história que começa como romance juvenil para se transformar em uma dramática trama sobre escolhas e obrigações morais. Com uma surpreendente atuação do jovem Logan Lerman - revelado na série de filmes "Percy Jackson" - no papel principal e uma reconstituição de época impecável mas discreta, o filme convida o espectador a mergulhar em um mundo claustrofóbico de regras brutais e machistas, capazes de ressonâncias eternas e excruciantes dores na alma. Não é o que se pode chamar de um entretenimento leve, mas Schamus conduz seu roteiro com o máximo de leveza possível, erguendo pouco a pouco, cena por cena, um muro de preceitos aparentemente simples que só mostrará sua extensão nos minutos finais - sutis, mas ensurdecedores.
Valorizando ao máximo os longos diálogos criados por Philip Roth - em especial uma brilhante sequência entre o protagonista e o reitor de sua universidade, a respeito de religião - o roteiro de James Schamus não subestima a inteligência do espectador lhe oferecendo soluções fáceis ou óbvias. A jornada do personagem central rumo à maturidade emocional é repleta de percalços que contrastam com sua natureza pura e honesta, consequência de uma criação com rígidos valores morais que, paradoxalmente, irão ser os responsáveis pelos mais dramáticos momentos de sua vida adulta, quando é obrigado a decidir entre manter seus princípios ou criar outros, mais benevolentes e de acordo com sentimentos até então inéditos e desconhecidos. Lerman, até então um ator pouco explorado - seu trabalho mais impactante havia sido em outro retrato de um rito de passagem, o belo "As vantagens de ser invisível" (2012) - transmite com sensibilidade todas as nuances de um personagem difícil, cuja ação interior é tão ou mais importante quanto a exterior. Nunca seu olhar assustado e frágil coube tão bem quanto na sua personificação de Marcus Messner, o tímido filho de um açougueiro judeu de Nova Jersey que entra na universidade de Ohio, em 1951 para descobrir que o mundo é muito mais opressivo, com seus códigos não-escritos de conduta, do que a rotina enfadonha de atender aos clientes de seu pai.
Resistindo bravamente quanto a juntar-se aos outros (poucos) judeus da universidade, que insistem em tentar recrutá-lo em uma espécie de confraria, Marcus tampouco aceita com serenidade a obrigação de participar das missas católicas do local - que tem tanta importância quanto seu desempenho curricular. Em suas tentativas de respirar, ele conhece a bela Olivia Hutton (Sarah Gadon), que o surpreende com uma liberalidade sexual e sentimental além de qualquer experiência anterior. Repentinamente, porém, os rumos de sua relação passam a ser ditados pela hipocrisia da sociedade que os envolve - com sua absoluta falta de pudores quando o assunto é sexo, Olivia se torna uma ameaça aos planos de Marcus, o que os encaminha a uma possível tragédia. Mas será que o rapaz terá força o bastante para impedir tal destino? Ou os desígnios da falsa moralidade são maiores do que seus sentimentos? Com tais questionamentos na mesa, Philip Roth construiu uma trama urdida com base na dor do amadurecimento e na certeza da impotência frente ao preconceito, e James Schamus honra tal obra com um filme adulto, sério, elegante e principalmente respeitoso com a fonte original, desde o tom quase cerimonioso até a escalação certeira do elenco. Valorizado ainda pela bela música de Jay Wadley, "Indignação" é uma pérola escondida, pronta para ser descoberta pelos fãs do bom cinema.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
sexta-feira
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