CAROL (Carol, 2015, The Weinstein Company, 118min) Direção: Todd Haynes. Roteiro: Phyllis Nagy, romance de Patricia Highsmith. Fotografia: Edward Lachman. Montagem: Affonso Gonçalves. Música: Carter Burwell. Figurino: Sandy Powell. Direção de arte/cenários: Judy Becker/Heather Loeffler. Produção executiva: Dorothy Berwin, Cate Blanchett, Robert Jolliffe, Danny Perkins, Tessa Ross, Thorsten Schumacher, Andrew Upton, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Elizabeth Karlsen, Christine Vachon, Stephen Wooley. Elenco: Cate Blanchett, Rooney Mara, Sarah Paulson, Kyle Chandler, Jake Lacy, John Magaro. Estreia: 17/5/15 (Festival de Cannes)
6 indicações ao Oscar: Atriz (Cate Blanchett), Atriz Coadjuvante (Rooney Mara), Roteiro Adaptado, Fotografia, Trilha Sonora Original, Figurino
Vencedor da Palma de Ouro (Melhor Atriz) no Festival de Cannes: Rooney Mara
Em 1952, um romance chamado "The price of salt", escrito por uma autora chamada Claire Morgan chegou às livrarias norte-americanas contando a história de amor entre uma socialite e uma jovem aspirante a fotógrafa, mais jovem e inexperiente. Nos anos 60, uma tentativa de adaptar o livro para as telas, com a estrela Lana Turner no papel principal, acabou abortada - e é difícil, hoje em dia, imaginar como poderia ter sido, uma vez que na época a censura sobre os estúdios hollywoodianos era rígida e conservadora ao extremo, a ponto de, segundo consta, uma adaptação ter sido feita com a alteração do sexo da protagonista. Relançado em 1984 por uma editora especializada em literatura lésbica, o livro voltou à pauta, mas foi somente em 1990 que, depois de muitos rumores, finalmente a desconhecida Morgan resolveu assumir sua verdadeira identidade em uma nova edição inglesa: a autora do polêmico romance era a mesma Patricia Highsmith cujo talento para as tramas de suspense já havia inspirado Alfred Hitchcock (em "Pacto sinistro", de 1951), René Clement ("O sol por testemunha", de 1960) e Wim Wenders ("O amigo americano", de 1977). Inspirada em uma história vivida pela própria Highsmith nos anos 40, "The price of salt"só viu a luz dos refletores mais de sessenta anos depois de sua primeira publicação: com o título de "Carol", o filme de Todd Haynes estreou no Festival de Cannes de 2015 sob uma chuva de calorosos e demorados aplausos, e saiu da Riviera Francesa com o prêmio de melhor atriz para Rooney Mara. Começava ali sua consagração como um dos melhores filmes da temporada.
Unanimemente elogiado como um drama romântico elegante e intenso, "Carol" foi colecionando prêmios e indicações por toda a sua carreira internacional, até culminar na agridoce lista dos candidatos ao Oscar: tido como certo na disputa, acabou ficando de fora dos concorrentes à melhor filme e diretor - mesmo que Haynes já tivesse, então, prêmios dos críticos de Nova York, Boston, Toronto e da National Society of Film Critics. A esnobada da Academia - que apesar disso lembrou do filme em outras categorias importantes, como atriz, atriz coadjuvante e roteiro adaptado - decepcionou os fãs, mas não diminui a importância do filme. Um dos mais sensíveis e maduros retratos do amor entre mulheres mostrados nas telas, "Carol" é também uma história sobre tolerância, amadurecimento e a importância que as escolhas tem na vida de qualquer pessoa. Emoldurado por um visual arrebatador, uma trilha sonora impecável e um elenco fascinante, é também uma bela e dolorosa história de amor e desejo, contada através da lente da sofisticação e da sutileza.
Interpretada por uma Cate Blanchett cada vez mais etérea e deslumbrante, Carol é uma mulher da alta sociedade nova-iorquina dos anos 50, presa por convenções sociais a um casamento sem amor e a um relacionamento quase abusivo com o agressivo Harge Aird (Kyle Chandler, em atuação expressiva e forte). Para não perder a guarda da filha pequena, Carol mantém discrição de seus romances extraconjugais com outras mulheres, mas é lógico que isso não escapa da atenção do marido, que finge desconhecer esse lado de sua personalidade. As coisas começam a sair do controle, porém, quando Carol conhece e se sente imediatamente atraída por Therese Belivet (Rooney Mara, indicada ao Oscar de coadjuvante mesmo sendo tão protagonista quanto Blanchett). Tímida e inexperiente, Therese sonha em seguir uma carreira de fotógrafa e conhece a delicada socialite quando está em um emprego temporário de Natal. Não demora para que o charme e a poder de sedução de Carol acabe por conquistar a jovem, que se entrega, então, em um romance até então inédito em sua vida. O idílio entre as duas, porém, é posto à prova quando Harge resolve lançar mão de seu maior trunfo para separá-las e manter a esposa a seu lado. Confrontada com a verdade sobre si mesma em vias de ser exposta, a Carol resta contar com o apoio da melhor amiga, Abby (Sarah Paulson), e decidir qual o melhor caminho para sua vida: o amor ou a filha.
Fotografado com precisão por Edward Lachman - que usa e abusa de superfícies envidraçadas como metáfora de tudo que separa as protagonistas - e com uma reconstituição de época deslumbrante (o figurino de Sandy Powell também foi lembrado pelo Oscar), "Carol" é um filme cuja elegância é indiscutível. A bela trilha sonora de Carter Burwell pontua com determinação o tom imposto pela direção romântica de Haynes, reforçando com sutileza o turbilhão de sentimentos envolvidos na trama. Cuidadoso com todos os detalhes, o cineasta faz uso de pequenas ações para sublinhar as emoções de suas personagens - Carol fuma apenas em situações extremas, nunca quando está feliz ou realizada, por exemplo - e constrói, delicadamente, uma história onde cada olhar, cada gesto, cada entonação de voz é essencial para a melhor assimilação de tudo que é mostrado, como um trabalho de ourives que dá a cada pedaço da joia sua devida importância para a beleza do conjunto. Orquestrando até mesmo as cenas de sexo com extremo bom-gosto, o diretor conta também com a ajuda imprescindível de um elenco em dias muito inspirados.
Injustamente esquecido pelas cerimônias de premiação, Kyle Chandler entrega um desempenho exemplar como o terceiro vértice do triângulo amoroso central, o marido traído que transforma em obsessão sua determinação em destruir o romance extraconjugal da esposa, mesmo que usando de subterfúgios eticamente dúbios. Rooney Mara, justificando seu prêmio em Cannes e sua indicação ao Oscar, constrói uma Therese cuja fragilidade física vai se transformando, aos poucos, em uma coragem de aço, e Cate Blanchett desfila sua classe pela tela com uma personagem que lhe dá a chance de explorar todas as nuances de seu imenso talento: sem apelar para cenas lacrimosas ou piegas, ela oferece uma atuação devastadora, centrada unicamente no uso exemplar da voz, do corpo e do olhar. Não é à toa que o filme tem o nome de sua personagem: Blanchett é uma força da natureza que transforma o ato de acompanhar uma história de amor simples e corriqueira em uma experiência recompensadora. "Carol" não é apenas uma love story homossexual: é um conto sobre a força do amor e da paixão sobre o preconceito e a intolerância. Belíssimo!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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