O MESMO AMOR, A MESMA CHUVA (El mismo amor, la misma lluvia, 1998, JEMPSA/Warner Bros, 113min) Direção: Juan José Campanella. Roteiro: Juan José Campanella, Fernando Castets. Fotografia: Daniel Shulman. Montagem: Camilo Antolini. Música: Emilio Kauderer. Figurino: Cecilia Monti. Direção de arte: María Julia Bertotto. Produção executiva: Ricardo Freixa. Produção: Jorge Estrada Mora. Elenco: Ricardo Darín, Soledad Villamil, Ulises Dumont, Eduardo Blanco, Graciela Tenenbaum. Estreia: 16/9/99
Quem ficou encantado com a química entre Ricardo Darín e Soledad Villamil em "O segredo dos seus olhos" - inesperado vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010 - pode não saber, mas seu par romântico central já havia provocado faíscas dez anos antes, em outro filme dirigido pelo mesmo Juan José Campanella. "O mesmo amor, a mesma chuva", lançado em 1998, pode não ter o mesmo nível de qualidade técnica e narrativa de sua obra mais premiada, mas demonstra, sem sombra de dúvida, que Campanella já tinha um extremo cuidado em construir personagens verossímeis e falar de assuntos extremamente humanos e de fácil identificação com o público. Com um roteiro simples e personagens cativantes, seu filme conta uma simples história de amor que atravessa duas décadas e que comenta, em suas entrelinhas, o momento político atravessado pela Argentina nos anos 80.
Contada em forma de flashback, a história de amor entre o jornalista e escritor Jorge Pellegrini (Ricardo Darín) e a bela Laura Ramallo (Soledad Villamil) começa em 1980, quando ele a vê em uma tela de cinema, em um filme inspirado em um de seus contos. Ambos estão frustrados com suas carreiras incipientes - ele é obrigado a escrever contos para uma revista que não dá valor a seu talento, frequentemente cortando suas histórias, e ela ganha a vida como garçonete enquanto espera o retorno de um namorado que não lhe dá notícias há meses. Depois de alguns meses de relutância, finalmente o romance engata, mas o casal não demora a perceber que, apesar da paixão, os problemas insistirão em encontrar brechas em seu relacionamento. Com o passar dos anos, a batalha de Jorge em finalmente ser reconhecido como escritor - sempre incentivado por Laura - vai se misturando às mudanças políticas do país, e o desgaste natural ameaça por diversas vezes a manutenção dos sentimentos entre eles.
Com um roteiro assumidamente simples e sem firulas, "O mesmo amor, a mesma chuva" conquista justamente por sua objetividade e capacidade de tornar interessante até mesmo os acontecimentos mais banais. Graças à química incandescente entre Ricardo Darín e Soledad Villamil, os diálogos co-escritos por Campanella e Fernando Castets soam como poesia, ainda que versem sobre problemas triviais e comuns à maioria dos casais da plateia. Ciúmes, monotonia e traições estão na receita criada pelo cineasta, que aproveita para criticar com contundência o período negro vivido pela Argentina durante sua ditadura militar, entre 1976 e 1983: através dos colegas de Jorge na revista, ele apresenta ao espectador uma visão inteligente dos desdobramentos do golpe militar, ressaltando as dificuldades dos jornalistas veteranos em encontrar trabalho e a ascensão de jovens despreparados profissionalmente mas dispostos a rezar pela cartilha do governo. Não é o tema central do filme, mas surge organicamente no decorrer da narrativa, graças à sensibilidade do roteiro e à leveza com mesmo os momentos mais pesados são tratados. Injetando poesia em diversas sequências, Campanella já mostrava sua capacidade de equilibrar ingredientes aparentemente tão distintos quanto política e romance. Sua direção é tão leve que chega a impedir que o filme seja maior - sua despretensão é, ao mesmo tempo, seu maior mérito e seu calcanhar de Aquiles.
Ao optar por um viés menos ambicioso de contar sua história, "O mesmo amor, a mesma chuva" deixa escapar a oportunidade de ser um filme ainda melhor. Se o roteiro aprofundasse mais os conflitos entre o casal protagonista talvez se tornasse um programa inesquecível. Da forma como está, é o belo e delicado estudo de uma relação, interpretado por grandes atores e comandado por um diretor de vasto talento, mas sem aquele algo mais que o faça sobressair no gênero. De qualquer maneira, é mais um exemplar extremamente digno do cinema argentino, que em poucos anos começaria a demonstrar toda a sua força em filmes de gêneros e enfoques bastante distintos. E além do mais, tem Ricardo Darín, um dos maiores atores de sua geração. Precisa mais?
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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