FEBRE DE JUVENTUDE (I wanna hold your hand, 1978, Universal Pictures, 104min) Direção: Robert Zemeckis. Roteiro: Robert Zemeckis, Bob Gale. Fotografia: Donald M. Morgan. Montagem: Frank Moriss. Figurino: Roseanna Norton. Direção de arte/cenários: Peter Jamison/John Dwyer. Produção executiva: Steven Spielberg. Produção: Tamara Asseyev, Alex Rose. Elenco: Nancy Allen, Susan Kendall Newman, Theresa Saldana, Bobby DiCicco, Marc McClure, Wendie Jo Sperber, Eddie Deezen, Will Jordan. Estreia: 21/4/78
Hoje em dia é impossível acreditar que um dia um estúdio de Hollywood pudesse pensar duas vezes diante de um projeto que reuniria os Beatles, Robert Zemeckis e Steven Spielberg. Mas em 1978 as coisas eram bem diferentes: se a banda inglesa ainda era a maior do planeta mesmo tendo se separado há quase uma década e Spielberg já estava a caminho de tornar-se o cineasta mais bem-sucedido da história - já tinha no currículo "Tubarão" (75) e "Contatos imediatos de terceiro grau" (77) - o mesmo não poderia ser dito a respeito de Zemeckis, ainda inexperiente em comandar um longa-metragem para cinema. Escolhido pelo próprio Spielberg para dirigir a comédia "Febre de juventude", apesar da relutância da Universal, o cineasta que mais tarde encheria os cofres do estúdio com a trilogia "De volta para o futuro", o misto de animação e comédia "Uma cilada para Roger Rabbit" (88) e o multi-oscarizado "Forrest Gump: o contador de histórias" (95) só foi efetivamente contratado depois da promessa formal de que seu padrinho artístico assumiria as rédeas caso as filmagens estivessem sendo um desastre. Precaução desnecessária: não apenas "Febre de juventude" apontou no jovem cineasta um senso invejável de ritmo como tornou-se, com o passar do tempo, em um filme cult, um clássico das sessões da tarde, capaz de estampar um sorriso no rosto do espectador sem fazer muita força para isso.
É difícil não simpatizar de cara com "Febre de juventude", tanto por sua trama ingênua e repleta de nostalgia quanto por seu elenco, formado por jovens atores desconhecidos que encarnam seus personagens com uma garra contagiante. A história se passa em fevereiro de 1964, mais precisamente nos dias em que os Beatles chegaram pela primeira vez aos EUA, para uma apresentação no programa de Ed Sullivan, em horário nobre na televisão. Sua presença em solo americano acende ainda mais a beatlemania já instaurada entre os adolescentes e jovens e o roteiro esperto de Zemeckis e Bob Gale - posteriormente indicado ao Oscar por "De volta para o futuro" - se concentra em um grupo específico de amigas, moradoras de Nova Jersey, que, por motivos diversos, resolvem fazer a travessia à Nova York para testemunhar esse momento histórico na cultura pop. Pam (Nancy Allen) reluta em acompanhar as amigas porque está às vésperas de casar-se, mas decide que nada melhor do que uma pequena aventura para marcar sua despedida de solteira. Grace (Theresa Saldana) quer dar um passo à frente em sua vocação como fotógrafa e conseguir uma imagem exclusiva do grupo para vender a alguma revista. Rosie (Wendie Jo Sperber) é apaixonada por Paul McCartney e sonha em conhecer seu ídolo. E Janis (Susan Kendall Newman, filha do ator Paul Newman) é uma jovem politicamente ativa que acredita que o rock está eclipsando a verdadeira música de protesto de gente como Joan Baez e Bob Dylan. Juntam-se a elas o tímido Larry (Marc McClure) - cujo pai tem um carro que pode ajudá-las na viagem - e o encrenqueiro Tony Smerko (Bobby Di Cicco), que une-se à Janis em sua cruzada contra a banda inglesa.
Sem confundir-se com os inúmeros focos narrativos que acompanham suas personagens, o roteiro de "Febre de juventude" é o divertido retrato de uma época que ainda mantinha resquícios de ingenuidade, apesar do trauma da morte de JFK, ocorrida poucos meses antes dos acontecimentos mostrados no filme. Embalado na trilha sonora recheada com os maiores sucessos dos Beatles, a produção de Zemeckis convida o espectador a uma divertida e nostálgica viagem no tempo, revelando em sequências hilariantes a verdadeira obsessão das fãs pela banda. Não faltam gritos histéricos, desmaios e uma sucessão de pequenas anedotas para emoldurar as desventuras das protagonistas, que aproveitam os dois dias para realizarem uma espécie de jornada rumo à vida adulta: nenhuma delas passa incólume pela experiência, seja em termos pessoais ou emocionais. Pam passa a questionar sua decisão de casar; Grace substitui a ambição profissional à toda prova pela lealdade; Janis aceita abdicar do radicalismo e respeitar as diferenças; e Rosie descobre o amor inesperadamente. Mesmo que muitas vezes não fuja dos estereótipos - talvez pela opção em concentrar-se na ação mais do que no aprofundamento das personagens - "Febre de juventude" apresenta seus personagens com respeito e carinho, transformando em comédia seus percalços sem apelar para o caminho fácil da ridicularização. A sensibilidade imposta por Zemeckis equilibra com perfeição o humor quase infantil de alguns momentos, oferecendo ao resultado final uma interessante camada extra de inteligência que o diferencia de outras produções do gênero.
Realizado com um orçamento mínimo e sem maiores pretensões, "Febre de juventude" não foi um sucesso de bilheteria, mas deixou claro para a Universal o talento de Robert Zemeckis como contador de histórias e de Steven Spielberg como produtor executivo - uma função que o diretor de "Caçadores da Arca Perdida" (81) iria desempenhar religiosamente a partir de então. Leve, engraçado e valorizado pela trilha sonora arrebatadora a cargo do quarteto de Liverpool, é um passatempo divertido e nostálgico, sem contraindicações e dotado de um humor ingênuo e cativante. Pode não despertar gargalhadas histéricas o tempo todo, mas é uma comédia muito acima da média que, assim como "Loucuras de verão" (73), de George Lucas, remete a um passado então recente com extremo carinho e saudade. Um belo programa.
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