LAURENCE ANYWAYS (Laurence anyways, 2012, Lyla Films/MK 2 Productions, 168min) Direção e roteiro: Xavier Dolan. Fotografia: Yves Bélanger. Montagem: Xavier Dolan. Música: Noia. Figurino: François Barbeau, Xavier Dolan. Direção de arte/cenários: Anne Pritchard/Louis Dandonneau, Pascale Deschênes. Produção executiva: Xavier Dolan, Gus Van Sant. Produção: Charles Gillibert, Nathanael Karmitz, Lyse Lafontaine. Elenco: Melvil Poupaud, Suzanne Clément, Nathalie Baye, Monica Chokri, Sophie Faucher, Emmanuel Schwartz. Estreia: 18/5/12 (Festival de Cannes)
O que fazer se, com apenas 22 anos de idade, você já realizou dois filmes elogiados pela crítica, premiados em festivais de prestígio como Cannes e é considerado um dos maiores talentos do cinema de seu país? Se seu nome for Xavier Dolan, a resposta óbvia é: fazer um filme ainda mais ambicioso, que trate de um assunto tabu e que enfatize ainda mais as características de sua filmografia até então. Com todos esses elementos, "Laurence anyways" faz todo o sentido dentro do universo artístico de Dolan, um menino-prodígio alçado à condição de gênio tão prematuramente que, como era de se esperar, arrumou tanto detratores ferozes quanto fãs devotos. E seu terceiro filme apenas serviu para fomentar ainda mais as discussões a respeito de seu talento: afinal, ele é um cineasta realmente dotado ou apenas um rapaz de sorte adotado por uma parcela da crítica sedenta por novidades? Para delírio de ambas as facções, "Laurence anyways" dá munição aos dois lados.
Como nos dois primeiros filmes de Dolan, em "Laurence anyways" há uma preocupação extrema com o visual: desde a fotografia deslumbrante de Yves Bélanger até os cenários e os figurinos (supervisionados pelo próprio diretor), tudo é cuidadosamente planejado para causar o máximo e impacto dramático e estético. Com uma profusão de belíssimas sequências em câmera lenta que enfatizam o universo particular de seus personagens - assim como seus estados de espírito - o cineasta cria metáforas visuais poéticas e inteligentes, mas em alguns momentos tropeça na redundância e em sua dificuldade de enxugar a narrativa, desnecessariamente longa a ponto de testar a paciência do espectador. No entanto, esse excesso de virtuosismo não impede a plateia de compreender e se envolver com o drama de seus protagonistas, complexos e dotados de dimensões raras no cinema contemporâneo, tão propenso a dedicar-se a personagens maniqueístas e simplórios. Ajuda muito, nesse ponto, que Dolan conte com dois ótimos atores principais, Melvin Poupaud (substituindo Louis Garrell, o escolhido inicial) e principalmente Suzanne Clément.
O roteiro de Dolan acompanha dez anos na vida de um casal atípico - ainda que apaixonado e em plena sintonia emocional e cultural. Laurence Alia (Melvin Poupaud em atuação brilhante em sua discrição) é um professor de literatura e Fred (Suzanne Clément) uma atriz tentando um lugar ao sol. Seu relacionamento franco e honesto sofre um duro golpe quando o rapaz resolve dar vazão a uma antiga necessidade de sua alma e passa a assumir uma identidade feminina. Apesar de chocada com a novidade, Fred tenta apoiar o marido, enfrentando o preconceito da sociedade e as próprias dúvidas em relação ao destino de seu relacionamento. Enquanto isso, Laurence gradualmente vai se tornando uma outra pessoa, dedicada à poesia e discriminada pela hipocrisia da sociedade em que antigamente vivia - o que inclui até mesmo sua mãe, Julienne (Nathalie Baye). Com o passar do tempo, Laurence e Fred chegam à conclusão de que a separação é o melhor caminho, mas o forte sentimento que nutrem um pelo outro os impede de cortar definitivamente o laço que os une - e nem mesmo novos relacionamentos parecem empecilhos para sua inegável química.
Fascinante em seu retrato de um personagem transsexual antes que o tema se tornasse comum até na televisão - em séries como "Transparent" e "Sense8" - "Laurence anyways" inova também em não discutir de forma definitiva a sexualidade de seu protagonista, preferindo deixar no ar a forma com que ele lida com o assunto. Laurence não é gay - ele é um homem com identidade feminina, uma discussão que assumiu relevância social enorme do lançamento do filme até hoje. O fato de vestir-se de mulher não significa que ele não tenha tesão em Fred, que, no entanto, sofre com a ambiguidade da situação mas mantém-se leal até onde seu coração permite. Todas as sequências que mostram suas tentativas de permanecer ao lado do homem que ama são de cortar o coração - a mostra definitiva de que Dolan, apesar da juventude e da tendência exibicionista, também sabe como falar à alma do espectador e criar personagens críveis e humanos. Afora isso, o final amargo/realista é de apertar o peito de todos aqueles que se deixarem cativar pela angústia e pela coragem dos protagonistas. Dolan não é um gênio - ainda tem muito o que aprender - mas tampouco é fogo de palha. Existe muito talento no rapaz e ele ainda vai dar muito o que falar.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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