A TRAIÇÃO DO FALCÃO (The falcon and the snowman, 1985, Hemdale, 131min) Direção: John Schlesinger. Roteiro: Steven Zaillian, livro de Robert Lindsey. Fotografia: Allen Daviau. Montagem: Richard Marden. Música: Lyle Mays, Pat Metheny. Figurino: Albert Wolsky. Direção de arte/cenários: James D. Bissell/Linda De Scenna. Produção executiva: John Daly. Produção: Gabriel Katzka, John Schlesinger. Elenco: Timothy Hutton, Sean Penn, Pat Hingle, Joyce Van Patten, Jerry Hardin, Lori Singer, Michael Ironside. Estreia: 19/01/85 (Festival de Sundance)
Um dos atores mais respeitados e premiados de sua geração, Sean Penn ganhou seu primeiro Oscar apenas em 2004, pelo filme "Sobre meninos e lobos", de Clint Eastwood. Seu talento, porém, já existia desde muito antes, ainda que escondido sob uma persona problemática e em constante conflito com a imprensa e a indústria - e com todos que o rodeavam, como bem sabem Madonna, sua ex-mulher, constante vítima de seus ataques de fúria, e paparazzi, que, agredidos, o levaram a passar uma temporada na cadeia. Seu temperamento volátil, no entanto, apenas não deixava transparecer as qualidades dramáticas que ele mais tarde viria a explorar com mais maturidade. Um exemplo disso é "A traição do falcão": quando foi lançado, em janeiro de 1985, Penn tinha apenas 24 anos de idade e já demonstrava uma dedicação rara em construir um personagem. Para viver o jovem Andrew Daulton Lee - acusado de espionagem contra o governo dos EUA e um dos protagonistas de um livro publicado em 1979 -, o ator não apenas fez um complicado laboratório invadindo a embaixada dos EUA no México (como forma de compreender seu personagem) como sofreu uma transformação física que incluiu ganho de peso, uso de lentes de contato e prótese dentária e uma maquiagem especial para modificar seu nariz. Além disso, entregou uma performance energética que já deixava bem claro aos mais atentos que estava em vias de se transformar em um dos grandes atores americanos de sua geração.
Na verdade, Penn é apenas um dos dois protagonistas de "A traição de falcão", história real levada às telas pelo cineasta John Schlesinger depois de um longo (quatro anos) processo de desenvolvimento, iniciado com o lançamento do livro "The falcon and the snowman: a true story of friendship and espionage", escrito por Robert Lindsey. Primeiro roteiro de Steven Zaillian - oscarizado por "A lista de Schindler" (93) - a ser produzido, o filme de Schlesinger centra sua trama em dois personagens fascinantes e defendidos com igual garra por Penn e Timothy Hutton, que ganhou do Oscar de coadjuvante por "Gente como a gente" (80) com apenas vinte anos. Hutton vive Christopher Boyce, um ex-coroinha que, ao abandonar o seminário, volta para a casa dos pais e arruma emprego em uma empresa responsável por comunicações secretas para várias instituições do país, incluindo a CIA. Inteligente e idealista, Boyce não demora a perceber em tais comunicações a interferência dos EUA na política de vários outros países, como Austrália e Chile (que acaba por sofrer um golpe de estado). Desiludido com o que descobre, ele procura o amigo de infância Andrew Lee (Sean Penn), que, apesar de jovem, já tem uma vasta ficha criminal, por porte e tráfico de drogas. Juntos, eles formam um time que vende informações confidenciais para a União Soviética (o ano é 1974) - enquanto Boyce tem objetivos idealistas, Lee deseja apenas se beneficiar do dinheiro que pode conseguir. Mas as coisas, obviamente, se complicam e lhes coloca diretamente no caminho das leis americanas de espionagem.
Imprimindo em seu filme um ritmo de thriller político, valorizado pela entrega de seus dois atores centrais, Schlesinger constrói aos poucos um senso de paranoia, que vai se acentuando conforme o cerco se fecha ao redor de seus protagonistas. Ao público, mesmo ciente de que está diante de dois anti-herois, cabe grudar os olhos em uma narrativa elegante e sóbria, com ecos do cinema policial dos anos 70 - em especial aqueles dirigidos por Sidney Lumet e estrelados por Al Pacino: com economia de recursos estilísticos, o cineasta se ampara em uma edição inteligente para estabelecer os contrastes nas vidas e trajetórias de cada um de seus personagens centrais, que na vida real acabaram por realizar uma interessante mudança de rumos após o desfecho da trama mostrada no filme: Boyce participou de um assalto e Lee, o mais propenso à vida criminal, nunca mais se envolveu com a lei e chegou a trabalhar como assistente de Sean Penn. O roteiro de Zaillian até demora um pouco a engrenar, ao detalhar a rotina de Boyce e os problemas de Lee, mas apresenta um ato final poderoso e tão instigante que é difícil não se deixar envolver - em boa parte, mais uma vez é bom dizer, graças às interpretações impecáveis de Timothy Hutton e Sean Penn.
Ilustrado com a bela "This is not America", na voz de David Bowie, "A traição do falcão" é uma produção típica de sua época, em que a Guerra Fria estava no auge e a União Soviética parecia a maior das ameaças ao american way of life. Como uma espécie de crônica de uma juventude desiludida e perdida, o filme de Schlesinger é preciso em sua forma de mostrar como o governo Nixon e seu escândalo Watergate fez desmoronar, para muitos americanos, a ideia de um país democrático e justo. O tom político da trama - na verdade apenas um pano de fundo para uma história empolgante de espionagem - é um tempero a mais em uma produção que traduz, como poucas outras, o fim do sonho americano e sua metamorfose no cinismo e no individualismo que se tornariam marcas registradas dos anos 80 e do mandato de Ronald Reagan. Um filme não apenas competente como cinema, mas também como documento de um período crucial na história política dos EUA.
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