O LEÃO NO INVERNO (The lion in winter, 1968, Haworth Productions, 134min) Direção: Anthny Harvey. Roteiro: James Goldman, peça teatral de sua autoria. Fotografia: Douglas Slocombe. Montagem: John Bloom. Música: John Barry. Figurino: Margaret Furse. Direção de arte/cenários: Peter Murton/Lee Poll. Produção executiva: Joseph E. Levine. Produção: Martin Poll. Elenco: Peter O'Toole, Katharine Hepburn, Anthony Hopkins, Timothy Dalton, John Castle, Nigel Terry, Jane Merrow, Nigel Stock. Estreia: 30/10/68
7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Anthony Harvey), Ator (Peter O'Toole), Atriz (Katharine Hepburn), Roteiro Adaptado, Trilha Sonora Original, Figurino
Vencedor de 3 Oscar: Atriz (Katharine Hepburn), Roteiro Adaptado, Trilha Sonora Original
Vencedor de 2 Golden Globes: Melhor Filme/Drama, Ator/Drama (Peter O'Toole)
A cerimônia de entrega do Oscar de 1969 - para premiar os melhores da temporada 1968 - não surpreendeu apenas àqueles que ficaram chocados com a vitória do açucarado "Oliver" em um período tão atribulado da história dos EUA, com a luta pelos direitos civis pegando fogo e o conservadorismo americano sendo posto em xeque com produções como "Bonnie & Clyde", "No calor da noite", "A primeira noite de um homem" e "Adivinhe quem vem para jantar?" - todos lançados em 1967 e amplamente incensados por crítica e público. O maior choque da noite foi o inédito empate na categoria de melhor atriz (fato até hoje não repetido pelos votantes) entre a novata Barbra Streisand (premiada também com um Golden Globe por sua performance em "Funny girl") e a veterana Katharine Hepburn, que não apenas vencia pela terceira vez (iria repetir a façanha em outra ocasião ainda, por "Num lago dourado", de 1981) como pegava todo mundo de surpresa ao ser escolhida novamente apenas um ano depois de sua estatueta por "Adivinhe quem vem para jantar?". Hoje, vista à distância, porém, é inegável afirmar que, mais do que apenas um gesto de carinho da Academia pela consagrada atriz, sua vitória foi incontestável: sutil, poderoso e avassalador, seu desempenho irretocável é, talvez, a maior qualidade de um filme repleto delas.
Adaptado da peça teatral escrita por James Goldman que estreou na Broadway em 1966, estrelada por Rosemary Harris e Robert Preston, o roteiro do próprio dramaturgo (vencedor do Oscar da categoria, batendo, entre outros, "O bebê de Rosemary", de Roman Polanski) se utiliza de personagens reais para imaginar uma trama de traições, ressentimentos e desajuste familiar em plena Inglaterra do século XII. Tudo começa quando, às vésperas do Natal de 1183, o Rei Henrique II (Peter O'Toole, indicado ao Oscar de melhor ator) resolve reunir sua família para decidir qual dos seus três filhos tem mais condições de ocupar o trono após sua morte. Para isso, além de chamá-los, ele também convida para o encontro sua esposa, Eleanor de Aquitaine (Katharine Hepburn), a quem mantém presa em uma torre distante de seu castelo devido a seus constantes desentendimentos. Eleanor tem preferência por seu filho Richard (Anthony Hopkins em seu segundo filme), e essa é apenas mais uma diferença entre ela e seu marido, que tenciona ser sucedido por John (Nigel Terry) - rapaz prometido há anos para a jovem Alais (Jane Merrow), irmã do Príncipe Philip II (Timothy Dalton), da França, também presentes nas festividades. O problema é que Alais é amante do rei - e esse será mais um empecilho para uma decisão simples e unânime: não demora para que as máscaras de civilidade e fraternidade caiam e todos mostrem suas verdadeiras (e nem sempre nobres) intenções.
Mantendo a estrutura teatral de sua origem mas sem perder o ritmo e mantendo constante a tensão que empurra a trama para frequentes embates entre os personagens, o roteiro de "O leão no inverno" se beneficia muito da extrema qualidade de seus diálogos e da direção precisa de Anthony Harvey - editor de clássicos, como "Lolita" (62) e "Dr. Fantástico"(64), de Stanley Kubrick. Ciente do excelente material que tinha em mãos, Harvey não faz muito mais do que deixar com que seus (ótimos) atores façam seus shows particulares, em especial Hepburn e O'Toole. Ainda se recuperando da perda de seu parceiro profissional e de vida Spencer Tracy, ela está em um de seus melhores momentos da carreira, com uma intocável aura de classe mesmo quando é humilhada pelo marido, interpretado por O'Toole com garra evidente. Na pele de um soberano tão cruel quanto caloroso, ele equilibra com segurança ímpar todas as nuances de um Rei Lear, preso a convenções familiares que deseja abandonar e lutando para manter o poder mesmo quando este parece escapar de suas mãos. Todas as vezes em que os dois monstros sagrados estão em cena é difícil tirar os olhos da tela: com o domínio completo da arte da atuação, eles nem mesmo precisam falar para transmitir uma vasta gama de sentimentos - e o olhar de Hepburn (ainda apaixonado, apesar de tudo) é, provavelmente, um dos mais fascinantes de Hollywood.
Com uma teia de traições e mentiras que vão se acumulando até o final climático, "O leão no inverno" é um espetáculo adulto, que prescinde de efeitos visuais poderosos ou piadas fáceis para atingir seu público. Não chega a ser historicamente acurado, apesar dos personagens terem realmente existido, mas é inteligente e dramático, recheado de cenas e situações que crescem com a potente trilha sonora de John Barry (também premiada com um Oscar) e a reconstituição de época caprichada, que mergulha o espectador em um universo distante no tempo mas paradoxalmente atual, com suas disputas pelo poder e alianças nem sempre legítimas. Aqueles que não tem paciência com filmes com longos diálogos talvez se sintam aborrecidos, mas é irresistível a todos que procuram um produto cujo brilho nem mesmo o passar das décadas conseguiu apagar. Uma pequena obra-prima - e pensar que ninguém sequer consegue lembrar de "Oliver"!!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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