NO CALOR DA NOITE (In the heat of the night, 1967, The Mirisch Corporation/United Artists, 110min) Direção: Norman Jewison. Roteiro: Stirling Silliphant, romance de John Ball. Fotografia: Haskell Wexler. Montagem: Hal Ashby. Música: Quincy Jones. Figurino: Alan Levine. Direção de arte/cenários: Paul Groesse/Robert Priestey. Produção: Walter Mirisch. Elenco: Sidney Poitier, Rod Steiger, Warren Oates, Lee Grant, Larry Gates, James Patterson, William Schallert, Beah Richards. Estreia: 02/8/67
7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Norman Jewison), Ator (Rod Steiger), Roteiro Adaptado, Montagem, Som, Efeitos Sonoros
Vencedor de 5 Oscar: Melhor Filme, Ator (Rod Steiger), Roteiro Adaptado, Montagem, Som
Vencedor de 3 Golden Globes: Melhor Filme/Drama, Ator/Drama (Rod Steiger), Roteiro
Às vezes o destino age de forma cruel ou irônica até mesmo em Hollywood. Em abril de 1968 o assassinato de Martin Luther King adiou pela segunda vez na história a cerimônia de entrega do Oscar. Dois dias depois da data prevista, quase como uma homenagem involuntária ao líder do movimento pelos direitos civis da população negra, a estatueta de melhor filme de 1967 - além de outros quatro prêmios, incluindo melhor ator e roteiro adaptado - era anunciada para "No calor da noite", uma produção polêmica que retratava, sem meias-palavras, o racismo latente e violento do sul dos EUA. Através de uma trama policial baseada em um livro de John Ball, o filme de Norman Jewison remexe na profunda ferida da discriminação se utilizando de todas as regras consagradas do gênero - e acaba por fazer um gol de placa ao casar de forma exemplar um entretenimento de primeira categoria com um estudo cru e desprovido de sentimentalismos de um dos problemas sociais mais graves do país. Tudo isso amparado em atuações admiráveis de Sidney Poitier e Rod Steiger, como dois improváveis parceiros profissionais.
Filmado principalmente em Sparta, uma cidade do estado do Illinois, já que Potier já havia recebido ameaças de morte pela Ku Klux Klan do sul do país, "No calor da noite" acabou por tornar-se o filme preferido do ator, dentre os vários projetos em que atuou. Claramente, motivos não faltam: além do tom condenatório do racismo proposto pelo roteiro, o personagem do maior astro negro de sua geração (e um dos maiores ídolos do cinema dos anos 60) foge bravamente do vitimismo ou de qualquer situação condescendente em relação a sua cor. Em uma das cenas mais impactantes - e dá pra imaginar ainda hoje o tamanho de sua importância dentro do contexto social em que surgiu -, o detetive de polícia Virgil Tibbs, interpretado por Poitier, devolve uma bofetada recebida, sem pensar duas vezes. Detalhe: o autor da agressão era um homem branco e poderoso da cidade onde se passa a história. O choque provocado por tal atitude nas telas foi, certamente, um dos motivos que fizeram com que o filme atingisse tão diretamente o coração dos EUA: uma cena que fez com que o próprio diretor, Norman Jewison, percebesse o tamanho de sua responsabilidade junto ao público. Mas, é claro, tal cena não existe sozinha, e faz parte de um conjunto repleto de acertos que conduziu a produção à mais cobiçada estatueta de Hollywood.
Sem o subtexto racial que é imprescindível a seu desenvolvimento dramático, o roteiro de "No calor da noite" seria apenas mais um dentre tantos que surgem frequentemente dentro da indústria de cinema americano. Porém, ao eleger como um dos principais pontos de sua narrativa a problemática relação entre um xerife branco, ríspido e conservador e um detetive urbano, inteligente, refinado e negro, a trama de John Ball, adaptada com precisão por Stirling Silliphant (vencedor, com merecimento, do Oscar da categoria), escapa do lugar-comum e garante um lugar de honra entre os mais relevantes momentos do cinema na década de 60. Tudo começa com o assassinato de um proeminente homem de negócios da pequena Sparta: vindo para a cidade para construir uma nova fábrica, o empresário batia de frente com o todo-poderoso Endicott (Larry Gates), que passa a ser o principal suspeito do crime logo depois que o irascível xerife Gillespie (Rod Steiger) se convence que o misterioso forasteiro Virgil Tibbs (Sidney Poitier) não apenas é inocente como é também o principal detetive de polícia da Filadélfia. Mesmo hesitante em contar com sua ajuda - o rapaz é negro e por isso passível de sofrer discriminação na racista região do sul dos EUA -, o xerife acaba cedendo ante os pedidos da viúva da vítima (Lee Grant), que acredita no talento e na intuição do visitante. Porém, as coisas não serão tão simples, já que os temores de Gillespie se mostram bastante realistas quando Tibbs se torna persona non grata na cidade.
Equilibrando com inteligência a trama policial - coerente e surpreendente na medida certa - com os lances dramáticos a respeito do preconceito, "No calor da noite" é um filme de ação que é também um divisor de águas dentro do cinema americano. Pela primeira vez mostrando em um filme comercial um herói negro sem que ele precise ser subserviente ou uma cópia de personagens brancos, a produção de Norman Jewison - que voltaria a trabalhar com o tema do racismo em "A história de um soldado" (84) e "Hurricane: o furacão" (99) - é corajosa, contundente e, acima de tudo, envolvente como um bom entretenimento precisa ser. Editado com destreza pelo futuro cineasta Hal Ashby e fotografado com extremo cuidado pelo veterano Haskell Wexler - pela primeira vez na história trabalhando com uma iluminação própria para atores com a pele escura -, é um marco absoluto, um filme de gênero que consegue sobressair-se a suas limitações óbvias e permanecer como uma excelente diversão acima de tudo.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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