terça-feira

A CHEGADA

A CHEGADA (Arrival, 2016, Sony Entertainment,  116min) Direção: Denis Villeneuve. Roteiro: Eric Heisserer, conto "Story of your life", de Ted Chiang. Fotografia: Bradford Young. Montagem: Joe Walker. Música: Jóhan Jóhansson. Figurino: Renée April. Direção de arte/cenários: Patrice Vermette/Marie-Soleil Dénomné, Paul Hotte, André Valade. Produção executiva: Dan Cohen, Eric Heisserer, Karen Lunder, Tory Metzger, Milan Popelka, Stan Wlodkowski. Produção: Dan Levine, Shawn Levy, David Linde, Aaron Ryder. Elenco: Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker, Michael Stuhlbarg, Mark O'Brien. Estreia: 01/9/16 (Festival de Veneza)

8 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Dennis Villeneuve), Roteiro Adaptado, Fotografia, Montagem, Direção de Arte/Cenários, Edição de Som, Mixagem de Som
Vencedor do Oscar de Edição de Som 

Quando um filme - seja de ficção científica, seja do gênero que for - permanece na memória e no coração do espectador muito depois de seus créditos finais, certamente ele é muito mais do que um simples filme. Produções que ultrapassam os limites da arte e suscitam reflexões acerca de temas como destino, finitude e livre arbítrio tendem a tornar-se clássicas já em seu nascimento - haja visto obras como "2001: uma odisseia no espaço" (68), de Stanley Kubrick, e "Blade Runner: o caçador de androides" (82), de Ridley Scott, que se mantém no imaginário popular há décadas justamente por inserir, em um gênero específico, um vasto material intelectual e sensorial que vai além do que é exposto na tela, exercitando tanto o coração quanto o cérebro da plateia. Não chega a ser uma surpresa, portanto, que "A chegada" possa facilmente entrar na seleta lista dos grandes filmes de ficção científica da história do cinema - e que certamente irá resistir à passagem dos anos: inteligente, sensível e tecnicamente impecável, a primeira incursão do canadense Denis Villeneuve no gênero é simplesmente uma obra-prima que confirma o cineasta como uma das vozes mais originais e criativas a surgirem nos últimos anos.

Desde que seu "Incêndios" (2010) encantou o mundo e concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro, Villeneuve passou a demonstrar, em sua filmografia, uma preocupação constante com a alma e a psicologia de seus personagens. Fossem eles baseados em livros consagrados ("O homem duplicado", baseado em José Saramago) ou dentro dos limites de filmes de gênero (o suspense "Os suspeitos" ou o policial "Sicário: terra de ninguém"), seus protagonistas viviam sempre no fio da navalha, torturados por questões pessoais que os empurravam à frente e mexiam com as engrenagens das tramas. Em "A chegada" não é diferente: com base no conto "Story of your life", de Ted Chiang, o roteiro de Eric Heisserer, apesar de se utilizar fartamente dos elementos da ficção científica, é escorado totalmente nas emoções muito humanas de sua personagem central, a linguista Louise Banks, interpretada com brilhantismo por Amy Adams. Por mais que os efeitos visuais originais e criativos imaginados pela equipe de Martine Bertrand e Patrice Vermette sejam empolgantes e fujam do lugar-comum, é o coração de Louise que sustenta a ação do filme, que preenche aos poucos os vácuos que o roteiro vai propositalmente deixando pelo caminho até o final avassalador e comovente. Genialmente concebido como uma espécie de quebra-cabeças cujas peças só vão fazer sentido quando a imagem estiver totalmente formada, o roteiro de "A chegada" é uma aula de narrativa - em que cada cena, cada linha de diálogo e cada silêncio é parte indispensável para o resultado final.


Quando começa, "A chegada" parece mais uma ficção científica convencional: doze naves espaciais de formato ovalado chegam à Terra, provocando pânico e desconfiança na população e nas lideranças mundiais. Em busca de comunicação com os visitantes, um coronel norte-americano, Weber (Forest Whitaker) recruta a linguista Louise Banks (Amy Adams), que já havia trabalhado para o governo em circunstâncias anteriores (e bem menos inusitadas). Louise se junta a um time de cientistas que inclui o matemático Ian Donnelly (Jeremy Renner) e centenas de pesquisadores espalhados pelo mundo. Conforme vai avançando em seus contatos com uma dupla de alienígenas - a quem eles batizam de Abbott e Costello - e aprendendo sua forma de comunicação, Louise passa a ter visões de sua vida e começa a questionar seu senso de realidade e até que ponto ela será capaz de controlar os limites de sua interação com os desconhecidos viajantes.

Contar qualquer detalhe a mais de "A chegada" é estragar a bela experiência que ele é. Descobrir as razões que trazem os alienígenas ao nosso planeta e de que forma seu contato com os humanos irá alterar o destino de Louise é uma das melhores e mais emocionantes surpresas de um filme que, apesar de ter em seu desfecho um de seus grandes trunfos, cresce a cada revisão. Cuidadosamente realizado - da fotografia suja de Bradford Young à música impactante de Jóhan Jóhansson - e dotado de uma inteligência rara em blockbusters (rendeu mais de 200 milhões de dólares nas bilheterias contra um orçamento relativamente baixo de 47 milhões), o filme de Villeneuve é uma viagem sensorial das mais empolgantes, que trata o espectador com respeito e jamais subestima sua capacidade intelectual. O que é injustificável é a ausência de Amy Adams entre as oito indicações ao Oscar recebidas pela produção - que incluíram melhor filme, diretor e roteiro adaptado: com uma atuação extraordinária que demonstra toda a extensão de seu talento dramático, Adams simplesmente carrega a plateia por uma trajetória emocional das mais enriquecedoras, capaz de prender a atenção do primeiro ao último minuto sem jamais cair no óbvio ou no previsível. Conduzido com elegância e segurança por um cineasta nitidamente apaixonado por sua história, "A chegada" é uma pequena obra-prima moderna - e que fez de Villeneuve o cineasta ideal para assinar a esperada continuação de "Blade Runner". Imperdível e inesquecível!

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