quinta-feira

DOIS CARAS LEGAIS

DOIS CARAS LEGAIS (The nice guys, 2016, Warner Bros, 116min) Direção: Shane Black. Roteiro: Shane Black, Anthony Bagarozzi. Fotografia: Philippe Rousselot. Montagem: Joel Negron. Música: David Buckley, John Ottman. Figurino: Kym Barrett. Direção de arte/cenários: Richard Bridgland/Danielle Berman, Tommy Wilson. Produção executiva: Anthony Bagarozzi, Peter Hampden, Ken Kao, Michael J. Malone, Norman Merry, Hal Sadoff, Alex Walton. Produção: Joel Silver. Elenco: Russell Crowe, Ryan Gosling, Kim Basinger, Matt Bomer, Lois Smith, Angourie Rice, Margaret Qualley, Yaya DaCosta. Estreia: 15/5/16 (Festival de Cannes)

A brincadeira já começava no trailer, com imagens que lembravam os filmes da década de 70 (período em que se passa o filme), utilizava o logo da Warner da época e mostrava Kim Basinger sob o anúncio de "apresentando". Mas era apenas uma pequena amostra do que estava por vir. "Dois caras legais" é diversão pura, uma comédia de ação que não se leva a sério, apresenta dois protagonistas completamente atípicos e subverte os clichês do gênero policial a cada cena. Coescrito e dirigido por Shane Black - o responsável por "Máquina mortífera" e o padrão de filmes policiais hollywoodianos a partir dos anos 80 - e estrelado por Russell Crowe e Ryan Gosling em dias inspirados (e com um timing cômico impecável), o filme pode não ter tido a repercussão que merecia - rendeu pouco mais de 60 milhões de dólares em todo o mundo - mas serve para confirmar a teoria de que um bom roteiro e um bom elenco são muito mais eficazes para a produção de um bom filme do que efeitos digitais e super-heróis cada vez menos surpreendentes.

Inicialmente pensado como piloto de uma série de televisão, "Dois caras legais" transformou-se em roteiro para o cinema quando Black percebeu que as possibilidades de ganhar uma temporada seriam quase nulas. Foi um mal que aconteceu para o bem: no conciso tempo de pouco menos de duas horas, a história (repleta de reviravoltas e personagens dúbios) ganha corpo, interesse e serve como uma luva para divertir a plateia sem recorrer a piadas forçadas ou cenas de ação hipertrofiadas. Dosando em igual quantidade humor e ação, o diretor consegue um equilíbrio admirável e de certa forma volta às origens, depois de ter comandado uma superprodução ("Homem de ferro 3", de 2013) controlada com rédeas curtas pela Marvel. Em seu novo filme, ele parece respirar aliviado sem tanta pressão, e tal leveza se reflete no tom debochado (ainda que carinhoso) do resultado final. Com diálogos brilhantes, uma reconstituição de época caprichada e um elenco afiadíssimo, "Dois caras legais" é um dos filmes mais subestimados de sua temporada - e um programão para quem procura entretenimento puro e simples.


Os dois caras legais do título são Jackson Healy (Russell Crowe) e Holland March (Ryan Gosling), detetives particulares da Los Angeles de 1977 que tem seus caminhos cruzados quando se veem investigando o mesmo caso. March é viúvo e vive com a filha pré-adolescente, Holly (a ótima Angourie Rice), enquanto curte a depressão se afogando em álcool e aceitando trabalhos para localizar pessoas desaparecidas; Healy é solteiro e resolve a maioria de seus casos utilizando-se de métodos violentos e pouco ortodoxos. Um dia, March é contratado por uma senhora idosa, Mrs. Glenn (Lois Smith), para encontrar sua sobrinha, uma atriz pornô que todos acreditam ter morrido em um acidente de carro - mas que ela insiste ter visto, bem viva, alguns dias depois do desastre. Em sua busca, o rapaz esbarra com o nome de Amelia Kuttner (Margaret Qualley), uma jovem que parece estar muito mais envolvida no caso do que parece - e que também está sendo procurada por Healy. É nesse ponto que a mãe da garota, Judith (Kim Basinger), chefe do Departamento de Estado, entra em cena, contratando os dois para impedir que sua filha seja prejudicada por um filme "alternativo" que fez com alguns amigos.

A mistura de comédia e filme policial engendrada por Shane Black ainda recebe a ajuda de ingredientes inusitados, como os bastidores da indústria de filmes pornográficos, criminosos excêntricos, tiroteios em locais públicos e muito, muito bom humor. Mesmo que a história por vezes soe confusa, o roteiro é tão recheado de boas piadas e bons personagens que fica difícil reclamar. Russell Crowe e Ryan Gosling estão absolutamente à vontade em cena, em uma parceria que implora por um segundo capítulo - e a jovem Angourie Rice quase rouba o filme na pele da precoce filha de Gosling, que assume papel fundamental no desfecho da trama. Engraçado, leve e despretensioso, "Dois caras legais" é uma das mais gratas surpresas da temporada 2016 - e uma lembrança do quanto Russell Crowe faz falta no cinemão americano.

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