terça-feira

OS ELEITOS: ONDE O FUTURO COMEÇA

OS ELEITOS: ONDE O FUTURO COMEÇA (The right stuff, 1983, The Ladd Company, 193min) Direção: Philip Kaufman. Roteiro: Philip Kaufman, livro de Tom Wolfe. Fotografia: Caleb Deschanel. Montagem: Glenn Farr, Lisa Fruchtman, Tom Rolf, Stephen A. Rotter, Douglas Stewart. Música: Bill Conti. Direção de arte/cenários: Geoffrey Kirkland/George R. Nelson, Pat Pending. Produção executiva: James D. Brubaker. Produção: Robert Chartoff, Irwin Winkler. Elenco: Sam Shepard, Barbara Hershey, Ed Harris, Dennis Quaid, Fred Ward, Scott Glenn, Lance Henriksen, Kim Stanley, Veronica Cartwright, Pamela Reed, Jeff Goldblum, Kathy Baker, Scott Paulin, Charles Frank, Levon Helm. Estreia: 21/10/83

8 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator Coadjuvante (Sam Shepard), Fotografia, Montagem, Trilha Sonora Original, Direção de Arte/Cenários, Som, Efeitos Sonoros
Vencedor de 4 Oscar: Montagem, Trilha Sonora Original, Som, Efeitos Sonoros

As expectativas eram enormes. Primeiro, o roteiro era baseado em um livro do consagrado Tom Wolfe. Depois, seu tema - os primeiros passos dos EUA na corrida espacial - era empolgante. especialmente para o público norte-americano, notoriamente ufanista. E por fim, tudo levava a crer que se estaria diante de um épico grandioso, recheado de efeitos visuais acachapantes e sequências de ação de tirar o fôlego. Porém, quando "Os eleitos: onde o futuro começa" estreou, em outubro de 1983, a decepção foi grande em vários aspectos: não apenas naufragou nas bilheterias como desagradou àqueles que esperavam por mais um blockbuster superficial. Dirigido por Philip Kaufman com elegância, senso de humor e um ritmo destoante da maioria das produções do gênero, seu filme acabou sendo relativamente reconhecido apenas pela crítica e pela Academia, que lhe indicou ao Oscar em oito categorias - um reconhecimento um tanto agridoce para Kaufman, que se viu fora da disputa de diretor e roteiro mesmo com uma indicação a melhor filme do ano.

 Essa aparente incoerência da Academia - quase constante, aliás, como seus estudiosos podem perceber a cada ano - não impediu, no entanto, que "Os eleitos" saísse da cerimônia de premiação com um número generoso de estatuetas: reconhecido por sua montagem, trilha sonora, som e efeitos sonoros, o filme de Kaufman entrou, logo em seguida, em várias listas de melhores filmes da década de 80, o que, de certa forma, corrigiu a injustiça de seu fracasso comercial - responsável inclusive pelo fim de sua produtora (The Ladd Company). O fato é que, assim como aconteceu com vários bons filmes que passaram quase em branco pelo crivo do público, "Os eleitos" oferece muito mais do que um simples entretenimento: é inteligente, quase sarcástico e, mesmo que renda homenagens aos homens que retrata, jamais abandona o senso de crônica característico da prosa de Tom Wolfe. Mesmo que o próprio autor tenha ficado insatisfeito com as mudanças feitas na adaptação feita pelo cineasta, é inegável que existe, em cada cena, um cuidado em manter um alto nível de discurso, seja em diálogos rápidos e por vezes poéticos ou mesmo em cenas que comprovam a excelência de sua parte técnica. Surpreendendo a cada momento, Kaufman equilibra com maestria seu filme entre o corriqueiro (o treinamento e os testes a que os candidatos a astronautas são submetidos) e o sublime (suas viagens, tensas e paradoxalmente divertidas). Seu objetivo de realizar um épico é claro, e não fosse uma certa demora em engrenar, seu filme seria uma diversão perfeita.


Se Sam Shepard foi o único do elenco a conseguir uma indicação ao Oscar (como ator coadjuvante, perdendo para Jack Nicholson, em "Laços de ternura"), sua presença na lista de candidatos foi, de certa forma, uma maneira de homenagear todos os seus colegas de cena. Nomes em começo de carreira, como Dennis Quaid e Jeff Goldblum, e atores já conhecidos, como Ed Harris e Barbara Hershey, integram um elenco sem elos fracos, que conquistam o público com suas particularidades e estilos próprios. Kaufman não apenas se contenta em narrar com o máximo de detalhes possível o caminho dos astronautas rumo a seu lugar na história - ele também examina suas relações pessoais, familiares e matrimoniais, sem deixar que o ritmo pareça truncado (palmas para a edição oscarizada). Das primeiras cenas, que mostram o pioneiro Chuck Yeager (Shepard) em suas tentativas de romper a barreira do som, até a consagração dos sete homens escolhidos para liderar a corrida espacial americana, "Os eleitos" convida o espectador a uma viagem no tempo, que remete ao começo da Guerra Fria e à rivalidade entre EUA e URSS. Com imagens reais editadas com cenas recriadas com capricho, o filme de Kaufman brinca com o tom de semi-documentário, enquanto não abdica de rir de seus protagonistas, na verdade homens frequentemente inconscientes de sua importância histórica - um deles chega a dormir enquanto espera ser lançado ao espaço (!!).

Envolvente, por vezes divertido e quase sempre emocionante, "Os eleitos" é um filme que não deixou com que o tempo lhe diminuísse a qualidade. Mais de três décadas depois de seu lançamento nos cinemas ainda é um grande filme - talvez hoje ainda mais do que em sua estreia, já que pode ser visto à luz do tempo e devidamente consagrado como cult movie. Se Kaufman posteriormente investiria em filmes com alto teor erótico - "A insustentável leveza do ser" (88) e "Contos proibidos do Marquês de Sade" (2000), por exemplo -, aqui ele demonstra um domínio técnico e narrativo acima da média, e um cuidado com os detalhes que faz sua omissão entre os candidatos ao Oscar de direção quase criminosa. Mais de dez anos antes que "Apollo 13: do desastre ao triunfo" (94) - coincidentemente também estrelado por Ed Harris - se tornasse um grande sucesso de bilheteria e crítica (e também fosse indicado ao Oscar de filme, mas não de direção), "Os eleitos" já demonstrava que a corrida espacial era um terreno fértil para cineastas talentosos e sensíveis. Um vencedor, apesar dos pesares!

Um comentário:

Lilian disse...

Apesar do filme ser longo - 3 horas - ele é tão bom e tão agradável que não vi o tempo passar e como vc disse, ter mais de 30 anos, ele não sentiu o peso dos anos, um filme atemporal. Um filme sensacional. Adorei.

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