DUPLEX (Duplex, 2003, Miramax/Buena Vista Pictures, 89min) Direção: Danny DeVito. Roteiro: Larry Doyle. Fotografia: Anastas Michos. Montagem: Greg Hayden, Lynzee Klingman. Música: David Newman. Figurino: Joseph G. Aulisi. Direção de arte/cenários: Stephen Alesch/Robin Stafender. Produção executiva: Alan C. Blomquist, Richard N. Gladstein, Meryl Poster, Jennifer Wachtell, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Drew Barrymore, Stuart Cornfeld, Nancy Juvonen, Jeremy Kramer, Ben Stiller. Elenco: Ben Stiller, Drew Barrymore, Eileen Essell, Harvey Fierstein, Maya Rudolph, Justin Theroux, Wallace Shawn, James Remar, Robert Wisdom, Swoosie Kurtz. Estreia: 26/9/2003
O primeiro longa-metragem de Danny DeVito como diretor, "Joga a mamãe do trem" (1987), já traía sua visão bastante particular de comédia, extraída de situações corriqueiras mas com os dois pés fincados em um tom sombrio e ácido. No filme, ele mesmo interpretava um aspirante a escritor que tentava convencer seu professor de escrita criativa a matar sua mãe autoritária - em troca dele mesmo assassinar a ex-esposa traidora do autor, como em "Pacto sinistro" (1951). Em seu trabalho seguinte atrás das câmeras, "A guerra dos Roses" (1989), um casal em processo de divórcio usava dos mais sórdidos artifícios para ficar com a posse da mansão que dividiam - mesmo que isso significasse sua destruição. "Duplex", lançado em 2003, confirmava a tendência de DeVito em rir de situações sérias e criticar, sem muita sutileza, o verniz que separa a civilização da barbárie. Ao contrapor um jovem casal em busca de um lar para chamar de seu e uma idosa aparentemente dócil que os separa da realização de seu sonho, a comédia estrelada por Ben Stiller e Drew Barrymore substitui a gargalhada óbvia pelo riso nervoso - opção inteligente que talvez explique sua decepcionante recepção comercial.
Com uma renda mundial que não chegou a cobrir nem mesmo a metade de seu orçamento, estimado em 40 milhões de dólares, "Duplex" provavelmente esbarrou na resistência do público em abraçar comédias que ousam fugir do esperado binômio pastelão/sofisticação. Situado em um meio-termo arriscado entre irmãos Farrelly e Woody Allen, o filme de DeVito aposta em personagens de caráter dúbio (ainda que facilmente adoráveis e de fácil empatia) e sequências de humor físico que deveriam dialogar diretamente com uma plateia ávida por risadas fáceis - mas que, por algum motivo, a afugentaram. O fraco resultado financeiro do filme, no entanto, não reflete sua qualidade. Assim como várias produções acima da média que naufragaram sem maior explicação, "Duplex" é um produto destinado a tornar-se cult. Talvez uma daquelas sessões da tarde queridas, com um público cativo e fiel, sempre disposto a rir das desventuras de um dos casais mais azarados de Nova York.
Alex Rose (Ben Stiller) e Nancy Kendricks (Drew Barrymore) são jovens, apaixonados, felizes e no caminho para se tornarem bem-sucedidos profissionais. Ela trabalha em uma revista e tem ambições de ascender na carreira, e ele é um escritor em vias de entregar seu segundo livro - apesar do atraso considerável no cronograma especificado no contrato. Depois de muito procurarem um lar para chamar de seu, os dois pombinhos mal podem acreditar na sorte grande quando surge, diante de seus olhos, a oportunidade de comprar um espaçoso duplex no Brooklyn - a um preço atrativo, ainda que apertado dentro de suas condições financeiras. Apaixonados pelo apartamento, os dois resolvem investir suas economias na compra do imóvel, mesmo sabendo que o andar superior do imóvel está ocupado. A inquilina é uma senhora idosa chamada Miss Connelly (Eileen Essell), solitária, doce e de saúde frágil. Alex e Nancy tem certeza de que não irá demorar para que sua vizinha morra e eles possam finalmente tomar posse de todo o seu duplex - mas as coisas não são como parecem. A dócil velhinha logo se transforma em uma enorme pedra no sapato do casal: espaçosa, cínica e irascível, ela não hesita em utilizar-se de sua imagem meiga para esconder uma personalidade insuportável. Sem ter a quem recorrer, Alex e Nancy chegam à conclusão de que a única maneira que eles tem de se livrar de seu pesadelo é apressando sua morte.
Assim como em seus filmes anteriores, Danny DeVito leva seus personagens ao limite do eticamente aceitável, transformando cidadãos normais e pacíficos em potenciais homicidas. Ao contrário de fazer disso um discurso pessimista sobre a maldade intrínseca do ser humano, porém, ele o faz com humor e leveza. Alex e Nancy não são pessoas ruins - o que não pode ser dito a respeito da respeitável anciã que os tira do sério -, e não é difícil simpatizar com eles e (pasmem!) torcer para que seus planos mirabolantes deem certo. Completamente inaptos para o crime, Alex e Nancy são mais vítimas do que assassinos (ou pretensos assassinos) e, dona de um talento inesgotável para transformar a vida dos vizinhos em um inferno na Terra, Miss Connelly passa rapidamente da condição de velhinha indefesa a alguém capaz de tirar a paciência do mais pacífico cidadão. Criando maneiras surpreendentes de tentativas de homicídio, o roteiro de Larry Doyle brinca sem medo com uma completa inversão de expectativas, e encontra em Ben Stiller, Drew Barrymore e Eileen Essell os intérpretes ideais de sua imaginação fértil - e seu casamento com a direção debochada de DeVito resulta em um filme cujo humor inteligente infelizmente não encontrou seu público. Talvez pelo tema, talvez pelo tom sombrio, a plateia ignorou "Duplex" no cinema - e acabou privada de uma das comédias mais ousadas e divertidas da temporada.
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