quarta-feira

BOA SORTE, LEO GRANDE


BOA SORTE, LEO GRANDE (Good luck to you, Leo Grande, 2022, Searchlight Pictures, 97min) Direção: Sophie Hyde. Roteiro: Katy Brand. Fotografia e montagem: Bryan Mason. Música: Stephen Rennicks. Figurino: Sian Jenkins. Direção de arte/cenários: Miren Marañon/Fiona Albrow. Produção executiva: Katy Brand, Julian Gleek, Mark Gooder, Sophie Hyde, Nadia Khamlichi, Nessa McGill, Martin Metz, Alison Thompson. Produção: Debbie Gray, Adrian Politowski. Elenco: Emma Thompson, Daryl McCormack, Isabella Laughland. Estreia: 22/01/2022 (Festival de Sundance)

Em uma época em que mulheres são apedrejadas virtualmente por ousarem desafiar os limites impostos pela sociedade a sua idade e criticadas nem tão virtualmente assim por sua busca pela liberdade sexual e sentimental, não deixa de ser uma grande ousadia o lançamento de um filme como "Boa sorte, Leo Grande": com uma visão predominantemente feminina a respeito de assuntos relevantes e urgentes, o filme de Sophie Hyde é um triunfo em todos os pontos, capaz de fazer rir, pensar e emocionar através de uma estrutura aparentemente simples que esconde uma profundidade rara no cinema comercial. Ao tratar com naturalidade temas como sexo, solidão, família e hipocrisia, o roteiro de Katy Brand transforma o que poderia ser um tedioso e autoindulgente discurso em uma pérola de sofisticação e sensibilidade.

Que não se espere, em "Boa sorte, Leo Grande", piadas escatológicas e/ou fáceis, ainda que o roteiro não se furte a brincar com os contrastes entre seus protagonistas e suas idiossincrasias. Como em uma boa peça de teatro, seus personagens vão revelando aos poucos suas facetas, permitindo a eles mesmos - e ao público - que suas reais motivações e sentimentos só surjam nos momentos mais precisos. Alternando-se no domínio das conversas, a professora aposentada Nancy (Emma Thompson) e o garoto de programa Leo Grande (Daryl McCormack) desfilam, em pouco mais de uma hora e meia, seus sonhos e frustrações, em uma relação que permite tal profundidade somente por s saber efêmera - a princípio nenhum dos dois sabe a verdadeira identidade do outro, escondidos que estão sob as máscaras que a situação exige. Ela é uma viúva que sempre viveu sob as normas impostas por sua religiosidade e criação conservadora; ele disfarça sua profissão sui generis sob um verniz intelectual e gentil que o protege dos preconceitos inerentes à função. Ela quer conhecer, na prática, tudo aquilo de que apenas ouviu falar em sua vida sexual insossa - e tem inclusive uma lista escrita de tais desejos; ele sofre com a rejeição da mãe e oferece aos clientes mais do que apenas momentos de prazer físico - lhes oferta também o ombro amigo,e se mostra disposto a ouvir o quanto for necessário. Nenhum deles é imune à solidão - e aí está o pulo do gato do filme.

 

Tanto Nancy quanto Leo podem parecer, nos primeiros minutos, uma perigosa soma de clichês. Basta alguns momentos, no entanto, para que a inteligência do texto de Brand e a elegãncia da direção de Sophie Hyde apontem um caminho diferente para a narrativa. Sim, com exceção de uma única sequência perto do clímax, toda a ação se passa em um quarto de hotel, mas limitar "Boa sorte, Leo Grande" a teatro filmado é negar à construção estética de Hyde todos os seus inúmeros méritos. A fotografia de Bryan Mason (igualmente responsável pela edição enxuta) acompanha não só as mudanças climáticas e temporais, mas também a evolução do relacionamento entre os personagens. A trilha sonora, discreta, paira no ar como um comentário sutil aos diálogos, e o figurino serve como a confirmação visual à personalidade de cada um em cena. Leo, por exemplo, não abusa do previsível estilo sexy que poderia lhe definir, optando por uma sobriedade surpreendente - assim como Nancy, conservadora e tímida, aos poucos vai se permitindo uma liberdade maior até mesmo para se vestir.

Mas nada funcionaria em "Boa sorte, Leo Grande" se não fosse Emma Thompson. Uma das maiores atrizes de sua geração, a vencedora de dois Oscar - um deles pelo roteiro de "Razão e sensibilidade" (1995) - confirma sua versatilidade e maturidade artística ao abraçar uma personagem complexa com toda a intensidade de sua experiência. Ao injetar humanidade em uma protagonista cujos defeitos são óbvios e pouco adoráveis - ainda que explicáveis por sua criação machista e religiosa -, Thompson ultrapassa os limites da simples atuação e entrega ao espectador o retrato de uma pessoa verdadeira, repleta de falhas mas dotada de uma humanidade quase palpável. É uma de suas atuações mais memoráveis, merecidamente cotada para mais uma indicação à estatueta dourada. Resta saber se a Academia será tão corajosa quanto ela em homenagear um filme que celebra o prazer feminino como forma de libertação: ao aparecer completamente nua em cena, Thompson não apenas se liberta das amarras de uma ditadura estética claustrofóbica, mas também ensina o amor próprio, a autoconfiança e a liberdade de ser quem se é. Se isso não é empoderamento não sei o que mais pode ser...

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