quinta-feira

MEN: FACES DO MEDO


MEN: FACES DO MEDO (Men, 2022, A24 Productions, 100min) Direção e roteiro: Alex Garland. Fotografia: Rob Hardy. Montagem: Jake Roberts. Música: Ben Salisbury. Figurino: Lisa Duncan. Direção de arte/cenários: Mark Digby. Produção: Andrew Macdonald, Allon Reich. Elenco: Jesse Buckley, Rory Kinnear, Paapa  Essiedu, Gayle Rankin. Estreia: 20/5/2022 (Canadá)

Aviso de utilidade pública: a quem procura um filme de terror tradicional - com sustos orquestrados com o objetivo de fazer o espectador pular da poltrona - ou uma trama de suspense que funcione como um quebra-cabeças - cujas peças façam sentido nos últimos minutos -, "Men: faces do medo" não é o programa mais indicado. Sim, ele assusta em alguns momentos. Sim, ele propõe um intrincado jogo psicológico. Mas, apesar do terço final apelar para uma violência gráfica quase desconcertante, ele não é um produto comercial puro e simples que busca o sangue gratuito. E infelizmente, apesar de envolver a plateia com uma série de questões promissoras, frustra ao não respondê-las a contento. Ao entregar mais perguntas que respostas, Garland se aproxima, paradoxalmente, de uma superficialidade que quase compromete todas as qualidades do filme - que  não são poucas e são redentoras.

Visualmente "Men" é um desbunde. A fotografia excepcional de Rob Hardy enche os olhos a cada sequência, com um colorido vibrante que acentua o tom de pesadelo que percorre todos os 100 minutos de projeção. O cenário bucólico do interior inglês é um achado, por contrapor a vastidão de seu verde com a sensação claustrofóbica experimentada pela protagonista. E merece aplausos a equipe capaz de conceber os efeitos visuais do ato final - perturbadores, doentios e radicalmente ousados até mesmo quando se sabe que a produtora do filme (A24) é aquela que revelou ao mundo os nomes de Robert Eggers e Ari Aster, responsáveis por um novo sopro de criatividade no cinema de terror: o espectador pode sentir-se incomodado, desconfortável ou enojado, mas é impossível que fique incólume ao que vê. Nesse ponto, pode-se dizer que "Men" é um casamento entre o horror visual de David Cronenberg e o suspense psicológico de David Lynch - acrescido de uma temática das mais relevantes e uma atriz com talento suficiente para segurar até mesmo os momentos mais bizarros da narrativa.

 


Indicada ao Oscar de atriz coadjuvante por seu trabalho em "A filha perdida" (2021), Jesse Buckley assume, em "Men", o posto de protagonista absoluta. Ela vive Harper, uma mulher traumatizada com a morte violenta do ex-marido abusivo (que pode ou não ter cometido suicídio) que resolve afastar-se da civilização para por os pensamentos em ordem e procurar um pouco de paz de espírito. Para isso, ela aluga uma confortável e isolada casa de campo no interior da Inglaterra. Seu objetivo, porém, começa a parecer um tanto utópico logo que ela chega ao local: perseguida por uma estranha figura nua que chega a invadir a propriedade, Harper não demora a perceber que o corporativismo masculino é regra na cidade - qua aparentemente não tem mulheres entre seus habitantes. Sufocada pelo ambiente patriarcal que passa a cercá-la (nem mesmo o padre ou o policial encarregado de protegê-la parecem confiáveis), a atormentada viúva se vê diante da angústia de estar à mercê de pessoas que também a ameaçam - e ir embora de repente não parece a melhor solução.

Os dois primeiros atos de "Men" são um primor de surrealismo e tensão, sublinhados pelo clima feérico oferecidos pela fotografia de Hardy, que passa, sem escalas, do deslumbramento ao assombro - ao comer uma maçã da árvore diante da propriedade, Harper parece ter dado início a seu pesadelo, como uma forma de punição. A partir daí a sensação de perigo iminente aumenta de forma exponencial, conduzindo a personagem (e o espectador) por um labirinto de medo e constante insegurança. É admirável, também, a ideia de fazer com que todos os personagens masculinos do filme (com exceção do falecido marido de Harper) sejam interpretados pelo mesmo Rory Kinnear, em um efeito perturbador e que remete à ideia de que, afinal de contas, todos os homens são iguais. Essa teoria, reiterada durante todo o filme, pode até parecer, a princípio, simplória e superficial, mas é ela quem dá o tom de toda a produção e reafirma o desamparo a que toda mulher está propensa em um mundo que lhe é normalmente hostil. É um conceito interessante e a maneira com que é proposto no filme é aberto às mais variadas interpretações - que estão ligadas também, segundo o próprio cineasta, às duas imagens religiosas encontradas por Harper na igreja local e cujos significados podem explicar boa parte dos enigmas criados pelo roteiro.

É sempre empolgante quando um filme ousa e empurra os limites do espectador - sejam eles quais forem. Da mesma forma, é louvável quando uma produção cinematográfica expande seus domínios a outras formas de arte. Porém, quando um filme exige um conhecimento prévio (e relativamente inacessível ao público médio) para que se faça entender, há algo de errado em sua concepção. Esse é o maior problema de "Men": lançar perguntas no ar e não fazer muita questão de que suas respostas sejam compreendidas. É admirável a ousadia de Alex Garland - um diretor que aos poucos vem se firmando como um realizador com coisas a dizer - em desafiar a lógica do mercado e provocar a plateia às raias do insuportável. Mas até mesmo ousadia em excesso pode atrapalhar boas ideias, e é isso que acontece com seu terceiro longa: genialmente concebido, fantasticamente realizado, mas incapaz de satisfazer seu principal consumidor. Ainda assim, um filme muito acima da média e destinado a tornar-se cult com o passar do tempo.

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