quinta-feira

O PENTELHO


O PENTELHO (The cable guy, 1996, Columbia Pictures, 96min) Direção: Ben Stiller. Roteiro: Lou Holt Jr.. Fotografia: Robert Brinkmann. Montagem: Steven Waisberg. Música: John Ottman. Figurino: Erica Edell Phillips. Direção de arte/cenários: Sharon Seymour/Maggie Martin. Produção executiva: Bernie Brillstein, Brad Grey, Marc Gurvitz. Produção: Judd Apatow, Andrew Licht, Jeffrey A. Mueller. Elenco: Jim Carrey, Matthew Broderick, Leslie Mann, Jack Black, Ben Stiller, Owen Wilson, George Segal, Diane Baker, Bob Odenkirk, Janeane Garofalo. Estreia: 10/6/96

Quando "O pentelho" estreou, no verão norte-americano de 1996, a carreira e o potencial comercial de Jim Carrey estavam em jogo. Não apenas o ator canadense teria que provar ser mais do que apenas um humorista cujo humor físico agradava ao público mas constrangia a crítica, mas também precisaria provar à indústria de que seu astronômico salário de 20 milhões de dólares (um recorde absoluto na época) não era um exagero irresponsável da Columbia Pictures. O resultado nas bilheterias, se não foi o sucesso esperado por aqueles que testemunharam a ascensão meteórica do astro - a soma da renda de seus dois "Ace Ventura" e de "O máskara" ultrapassava 500 milhões de dólares, sem contar os números de "Batman eternamente" (1995), uma máquina de fazer dinheiro que nem mesmo o massacre da crítica pode atrapalhar -, ao menos não decepcionou completamente. Apesar de constar na história como um fracasso, o filme dirigido por Ben Stiller não fez tão feio quanto fizeram crer os analistas: com mais de 100 milhões arrecadados ao redor do mundo, "O pentelho" pode não ter sido o arrasa-quarteirão que era previsto, mas ficou longe de ser um fiasco. Mais importante ainda: ao contrário de muitas críticas negativas, é uma produção com muito mais qualidades do que defeitos.

Lançado como o filme que mostraria um lado novo de Carrey - que já demonstrava interesse em fugir dos papéis de palhaço que lhe deram fama e dinheiro -, "O pentelho" seria, a princípio, um veículo para o estrelato de Chris Farley. Com a saída de Farley do projeto, por compromissos com a Paramount, o roteiro de Lou Holt Jr., comprado pela Columbia Pictures por um milhão de dólares, ficou à deriva, à procura de um novo astro. Nomes como os de Robin Williams, Adam Sandler e Paul Giamatti chegaram a ser considerados, até que, alterando substancialmente as ambições da produção, Carrey entrou na jogada. Sequioso por dar um novo rumo à carreira e emprestar credibilidade a uma trajetória que corria o sério risco de um desgaste iminente, o ator agarrou com unhas e dentes a possibilidade de deixar de lado seus personagens bobalhões e assumir uma persona mais sombria. Sua chegada ao grupo alterou também outros fatores: o roteiro de Holt Jr. passou a ser reescrito por Judd Apatow (que acabou não creditado, por regras do sindicato) e o que seria apenas uma comédia sobre a amizade bizarra entre dois homens virou um filme que flerta abertamente com o suspense - ainda que não tenha a coragem de ir até as últimas consequências principalmente por suas ambições comerciais junto ao público fiel de seu ator central.


 

Na verdade, apesar de viver um protagonista mais complexo do que em seus filmes anteriores, Carrey não chega a abandonar de vez seus trejeitos histriônicos em "O pentelho", mesmo que os equilibre com momentos mais discretos. A trama tem início com a separação do jovem executivo Steven Kovacs (Matthew Broderick), que, voltando a morar sozinho, contrata um serviço de televisão a cabo para ocupar suas noites solitárias. Quem aparece para a instalação é Chip (Jim Carrey), um rapaz um tanto estranho que, confundindo a atenção do novo cliente por um desejo de amizade, passa a perseguí-lo sem folga. A princípio aceitando a atenção de Chip, o tímido Steven logo passa a sentir-se incomodado com a obsessão do novo amigo. Quando resolve impor limites à relação, acaba por despertar um lado perigoso do instalador, que começa a utilizar-se de todas as suas forças para destruir sua vida, incluindo as chances de uma reconciliação com a ex-namorada, Robin (Leslie Mann).

Sob a direção acertadamente claustrofóbica de Ben Stiller - que dá as caras no filme em uma subtrama veiculada na televisão, sobre um homicídio entre irmãos gêmeos -, Jim Carrey dá, em "O pentelho", os primeiros passos em direção a uma carreira de ator sério, que culminaria em performances precisas em "O show de Truman: o show da vida" (1998), "O mundo de Andy" (1999) e "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" (2004). Extremamente à vontade em cena, o astro mescla momentos de seu humor físico inconfundível com sequências onde exercita um lado dramático (ainda) um tanto exagerado. Seu colega de cena, Matthew Broderick (que recebeu um salário de apenas um milhão de dólares), está constrangido na medida certa, oferecendo uma contraparte adequada aos quase excessos de Carrey, mas é inegável que, ao alterar o roteiro original, a produção não consegue esconder certa irregularidade em sua segunda metade. Com um ritmo instável e algumas sequências arrastadas, "O pentelho" é nitidamente um degrau acima das bobagens até então estreladas por Carrey, mas sofre com sua indecisão entre uma comédia rasgada e um suspense com toques cômicos. Pode não ter sido o fracasso que foi alardeado por Hollywood - onde muita gente torcia pela queda do ator, não exatamente fácil de lidar -, mas tampouco é a obra marcante que poderia ter sido. Pode-se dizer, sem medo, que foi o primeiro capítulo de uma fase menos comercial e mais artística de sua trajetória - ainda que, em 1999, ele tenha voltado um pouco às origens com o sucesso de "O mentiroso", menos ousado mas bem mais regular.

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