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OS PÁSSAROS


OS PÁSSAROS (The birds, 1963, Universal Pictures, 119min) Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Evan Hunter, baseado em um conto de Daphne DuMaurier. Fotografia: Robert Burks. Montagem: George Tomasini. Elenco: Tippi Hedren, Rod Taylor, Jessica Tandy, Suzanne Pleschette, Veronica Cartwright, Ethel Griffies. Estreia: 28/3/63

Indicado ao Oscar de Efeitos Visuais

É de se pensar qual seria a reação da plateia caso "Os pássaros", de Alfred Hitchcock, fosse lançado hoje. Acostumada que está a uma dieta de superproduções de conteúdo mastigado e com sequências de ação que valorizam mais explosões e tiroteios do que o suspense calcado em situações extremas, a idiotizada audiência que lota multiplexes provavelmente execraria o que é um dos mais populares do mestre do gênero. Fez isso, por exemplo, com "Fim dos tempos", de M. Night Shyamalan, que bebia da mesma fonte, ainda que sem a mesma excelência. O fato é que, ao optar pelo caminho mais difícil - o de deixar tudo sem maiores explicações - Hitchcock construiu um filme digno de figurar entre os mais angustiantes da história do cinema. E ainda teve a ousadia suprema de deixar um final pessimista. E em aberto.

A ideia de filmar "Os pássaros" veio de uma história da escritora Daphne DuMaurier, mesma autora do romance "Rebecca, a mulher inesquecível", cuja adaptação tornou-se, em 1940, no primeiro trabalho de Hitchcock em Hollywood. No entanto, como já havia feito outras vezes em sua carreira - mais notadamente em "Psicose" - o cineasta utilizou em seu projeto apenas a ideia central do conto original, ou seja, uma série de violentos ataques cometidos por aparentemente inócuos e gentis pássaros. Não aves de rapina ou algo que as valha, mas sim tímidos e bucólicos tordos, gaivotas e assemelhados, que, de uma hora pra outra, passam a investir contra os moradores da pacata Bodega Bay, uma ilha localizada perto de San Francisco.

E é em Bodega Bay que vai parar a socialite Melanie Daniels (Tippi Hedren), que chega até lá com o objetivo de seduzir o advogado Mitch Brenner (Rod Taylor), que ela conheceu em uma pet shop quando ele procurava um casal de passarinhos para presentear sua irmã caçula, Cathy (Veronica Cartwright). Chegando à cidade, ela conhece a doce Annie Hayworth (Suzanne Pleschette), que logo a deixa ciente a respeito do maior problema de Mitch; sua mãe, a controladora viúva Lydia (Jessica Tandy quase 30 anos antes do Oscar por "Conduzindo Miss Daisy"). Ainda assim, Melanie resolve arriscar-se a um flerte com o rapaz, mas, quando os pássaros começam a atacar as pessoas da ilha - e tudo começa quando uma gaivota lhe fere a cabeça quando ela está chegando à ilha - seu objetivo maior passa a ser a sobrevivência.

"Os pássaros" é pavor em estado puro. Para o público atual, acostumado a pular da poltrona ao testemunhar machadadas de autoria de assassinos mascarados ou zumbis descarnados, talvez seja difícil assustar-se com os efeitos especiais hoje um tanto datados, mas de ponta na época do lançamento - mas que perderam o Oscar para "Cleópatra" (hein??). No entanto, é insuperável a atmosfera de terror criada por Hitchcock - que demora propositadamente a pegar pesado na tensão, preferindo estabelecer o clima e as personagens antes de qualquer cena mais sanguinolenta. E, ao contrário de seus filmes anteriores, onde o sangue era quase inexistente - "Psicose" chegou a ser feito em preto-e-branco para atenuar a visão do vermelho - aqui ele corre aos borbotões, sem medo de chocar a plateia. Conforme vai se aproximando do seu final - e os ataques das aves vão ficando cada vez menos amigáveis - o filme torna-se mais e mais próximo do terror convencional, se é que "convencional" é adjetivo que possa ser aplicado a qualquer trabalho de Hitchcock. Depois de pouco mais de uma hora de projeção, todo e qualquer romance que esteja começando entre Melanie e Mitch fica em segundo plano, abrindo espaço para algumas das cenas mais geniais do gênero - e isso que ele nem faz uso de trilha sonora, o que é mais uma de suas ideias que nadavam contra a corrente.


E cenas geniais não faltam em "Os pássaros". Hitchcock constrói aqui sequências onde a tensão crescente é a alma da festa. Em uma dessas cenas antológicas, Melanie (vivida pela mãe da atriz Melanie Griffith e que foi festejada na época como a nova Grace Kelly do cineasta) espera a saída de Cathy da escola e, no momento em que isso acontece todos - alunos, professores e a própria Melanie - são atacados. Antes que isso aconteça, no entanto, o diretor já anuncia o que vem pela frente; a cada vez que a protagonista olha para a pracinha da escola ela percebe o aumento considerável de animais. E o que dizer então da sequência em que um posto de gasolina explode - depois de minutos aterradores - e suas consequências são vistas de cima, como se observadas pelos próprios pássaros? Isso sem falar na cena em que a especialista em pássaros (vivida por Ethel Griffies) tira toda e qualquer esperança de luta contra os repentinos inimigos.

Além de ser entretenimento de primeira, "Os pássaros" ainda serve a inúmeras análises psicossexuais e/ou sociológicas - o ensaio escrito por Camille Paglia e lançado pela editora Rocco que o diga. Em uma primeira visão o que sobressai no roteiro de Evan Hunter é o fato dos ataques começarem com a chegada de Melanie à cidadezinha - uma mulher liberada, dona de si, bela e independente chega a uma paradisíaca ilha e traz consigo uma ameaça de apocalipse. Freud teria acessos de felicidade analisando esse viés da trama, algo assim como o faz uma habitante de Bodega Bay quando acusa a forasteira de ser a culpada pela tragédia - sem a raiva inerente a esta personagem, logicamente.

Análises à parte, "Os pássaros" é um filme para ser visto como prova de que nem sempre é necessário uma explicação racional - leia-se simplista - para que um filme de suspense seja aterrador e angustiante. Afinal, o que é mais amedrontador do que o desconhecido?

PS - Aliás, nem será preciso mais imaginar a reação da plateia quanto a "Os pássaros". Existe o projeto de uma refilmagem para estrear em 2013, em comemoração aos 40 anos de seu lançamento, com Naomi Watts no papel principal. Tenha muito medo...

4 comentários:

História é Pop! disse...

Oi querido, na realidade esse blog no qual você viu a Madonna está abandonado, ando escrevendo do na minha página de cinema clássico VINTAGEEBLOG
http://vintageeblog.blogspot.com/
Dê uma passada lá, vou postar GIANT ( Assim Caminha a Humanidade) amanhã e durante esse mês trechos da biografia autorizada de Rock Hudson.
Beijos

Alan Raspante disse...

OMG! CLÊNIO!
rauhsuhahsuahusa
Estou fazendo uma lista imensa, a maioria com filmes que você posta aqui. Estou doido para ver muitos, mas sabe, né, alguns são um pouco difíceis de achar...rs
E bem, OS PÁSSAROS (ou melhor, todos do Hitchcock), eu quero ver ! xD

Clenio disse...

Alan, meu amigo, se com meus textos eu fizer uma única pessoa descobrir o prazer de assistir a determinados filmes, minha missão está cumprida hehe.
Qto à dificuldade de conseguí-los... não sei, acho que uma boa locadora deve ter no acervo esses títulos. Ou não é uma boa locadora!
Grande abraço!

O Neto do Herculano disse...

Dos nove Hitchcocks resenhados, senti a falta de Rebecca. Item obrigatório.

JADE

  JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...