O QUATRILHO (O quatrilho, 1995, Luiz Carlos Barreto Produções Cinematográficas, 92min) Direção: Fábio Barreto. Roteiro: Leopoldo Serran, adaptação de Antonio Calmon, romance de José Clemente Pozenato. Fotografia: Félix Monti. Montagem: Karen Harley, Mair Tavares. Música: Jaques Morelenbaum, Caetano Veloso. Figurino: Isabel Paranhos. Direção de arte: Paulo Flaksman, Sérgio Silveira. Produção executiva: Lucy Barreto, Luiz Carlos Barreto. Elenco: Glória Pires, Patrícia Pillar, Alexandre Paternost, Bruno Campos, Cecil Thiré, Gianfrancesco Guarnieri, José Lewgoy. Estreia: 20/10/95
Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
Em 1995, os fãs de cinema brasileiro, que ainda estavam em êxtase com o inesperado sucesso de "Carlota Joaquina, princesa do Brazil", de Carla Camuratti - o marco inicial da retomada de nossa filmografia - tiveram um motivo a mais para sentir orgulho. "O quatrilho", adaptado do romance do escritor gaúcho José Clemente Pozenato e produzido pelo mesmo Luiz Carlos Barreto do mega-sucesso "Dona Flor e seus dois maridos", foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, mais de trinta anos depois de "O pagador de promessas", de Anselmo Duarte, ter conseguido a mesma distinção. A euforia do momento era tanta que pouca gente percebeu que, a despeito de suas qualidades, o filme de Fábio Barreto não era exatamente um competidor muito forte. Dono de uma linguagem excessivamente televisiva, "O quatrilho" morreu na praia, perdendo a estatueta para o holandês "A excêntrica família de Antonia" - mesmo contando com uma espécie de apadrinhamento do poderoso Steven Spielberg.
Impressionado com o trabalho de Glória Pires - com quem manifestou interesse de trabalhar, dizem as más línguas - Spielberg até tentou fazer uma espécie de campanha a favor do filme brasileiro, mas esbarrou em um grave problema: apesar da história interessante e do brilho de suas atrizes centrais, a direção de Fábio Barreto é burocrática e sem inspiração, que o impede de ser grande cinema e o aproxima perigosamente de filmes feitos para a televisão. Nem mesmo a caprichada direção de arte e a fotografia conseguem fazer com que "O quatrilho" levante maiores voos. É um filme que promete muito mas jamais chega a encantar por completo sua audiência, sendo altamente prejudicado também pela absoluta apatia de seus dois atores principais.
A trama de "O quatrilho" se passa em Santa Corona, na serra gaúcha, e começa em 1910, com o casamento do pacato Angelo Gardone (Alexandre Paternost) com a bela Teresa (Patrícia Pillar). Devido a tradições culturais, logo após o matrimônio eles são obrigados a deixar a propriedade da família e, ambicioso, o rapaz resolve começar um negócio próprio, contando para isso com a ajuda de Mássimo (Bruno Campos), marido da prima de Teresa, a calada Pierina (Glória Pires). Enquanto as finanças prosperam, no entanto, o casamento de Angelo e Teresa não segue o rumo certo. Frustrada em suas aspirações românticas e sensuais, a bela jovem acaba encontrando no marido da prima um espelho de seus desejos e, em um rompante, foge com ele e a filha. A príncipio prostrados com a dupla traição, aos poucos Angelo e Pierina começam a reconstruir a vida e, mais por motivos práticos do que românticos, assumem uma relação, que irá chocar a conservadora sociedade católico/italiana em que vivem.
Não há dúvida de que a trama de Pozenato - que faz uma ponta no filme, como um fotógrafo - serve muito bem a um belo filme, a ponto de sua adaptação ser praticamente literal. Inspirada em um caso real, a troca de casais remete a um tradicional jogo de cartas dos italianos - em que a cada rodada é feita uma troca de parceiros - mas todas as inúmeras possibilidades da história acabam sendo desperdiçadas pelo roteiro preguiçoso e sem maiores aprofundamentos psicológicos ou dramáticos. Não fosse o talento superlativo de Glória Pires e Patrícia Pillar - capazes de transformar qualquer cena em um espetáculo à parte - "O quatrilho" correria o sério risco de tornar-se um poderoso soporífero.
Patrícia Pillar brilha intensamente na primeira parte do filme. Linda, carismática e provando-se uma excelente atriz, ela dá consistência a uma personagem que em outras mãos menos capazes poderia soar como leviana ou mau-caráter. Na interpretação de Patrícia, Teresa é uma Madame Bovary italiana, uma mulher presa em um casamento que oprime seus desejos e sonhos até o ponto de não suportar mais e, ao contrário da personagem de Flaubert, partir em busca da realização deles, mesmo sem ter exata consciência das consequências de seu ato. Quando ela sai de cena, boa parte dos encantos do filme vai com ela. Felizmente é aí que se abre espaço para Glória Pires mostrar porque é considerada uma das grandes atrizes do país.
Interpretando uma Pierina calada, taciturna, séria e ciente de seus deveres de esposa e mãe - apenas para explodir dramaticamente em uma cena inesquecível em que desafia um padre diante de uma paróquia lotada - Glória utiliza toda sua experiência para construir uma personagem que se comunica basicamente através de olhares baixos, de gestos comedidos e de um tom de voz sussurrante que escondem uma personalidade forte, prática e batalhadora. Se Patrícia é o corpo de "O quatrilho", Glória é sua alma. E consegue ser boa até mesmo contracenando com um tenebroso Bruno Campos, que, inexplicavelmente, fez relativo sucesso em uma carreira internacional. Com sua absoluta inexpressividade em cena - em um papel crucial - Campos atrapalha ainda mais as intenções do filme de ter qualidade de primeiro mundo.
Ufanismos à parte, "O quatrilho" é apenas um filme que, abdicando de palavrões e nudez gratuita - um avanço em relação ao que criou toda a aura de preconceito contra filmes brasileiros que somente anos depois seria parcialmente derrubado - conquistou um público considerável antes que isso se tornasse razoavelmente comum. Está a anos luz de distância de "Cidade de Deus", mas é infinitamente superior às obras cometidas por seu diretor pouco depois, como o sofrível "A paixão de Jacobina". E ouvir a doce voz de Caetano Veloso nos créditos iniciais e finais sempre será um deleite.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quinta-feira
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3 comentários:
Ok, assistirei apenas pela Pilar e Pires!
Realmente O Quatrilho fez mais barulho pela indicação do que por méritos verdadeiros.
Existem filmes melhores dentro do cinema nacional e que não conseguiram indicação tão "sonhada".
As atrizes principais é que salvam o filme.
Legal
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