FARGO, UMA COMÉDIA DE ERROS (Fargo, 1996, Polygram Filmed Entertainment/Working Title Films, 98min) Direção: Joel Coen. Roteiro: Joel & Ethan Coen. Fotografia: Roger Deakins. Montagem: Roderick Jaynes. Música: Carter Burwell. Figurino: Mary Zophres. Direção de arte/cenários: Rick Heinrichs/Lauri Gaffin. Produção executiva: Tim Bevan, Eric Fellner. Produção: Ethan Coen. Elenco: Frances McDormand, William H. Macy, Steve Buscemi, Peter Stormare, Kristin Rudrud, Harve Presnell, John Carroll Lynch. Estreia: 08/3/96
7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Joel Coen), Atriz (Frances McDormand), Ator Coadjuvante (William H. Macy), Roteiro Original, Fotografia, Montagem
Vencedor de 2 Oscar: Melhor Atriz (Frances McDormand), Roteiro Original
Palma de Ouro Festival de Cannes: Melhor Diretor (Joel Coen)
Afinal de contas, a que gênero cinematográfico pertence o filme "Fargo, uma comédia de erros"? Ora uma comédia de humor negro, ora um policial repleto de surpresas, ora uma mordaz crítica ao modo de vida dos "caipiras" americanos, o 6º longa dos irmãos Coen - queridinhos da crítica desde a década de 80 - aprimorou seu estilo mezzo anárquico mezzo subsersivo de forma a finalmente conquistar a sisuda Academia. Indicado a sete estatuetas do Oscar, levou duas - roteiro original e atriz - provando que, de vez em quando, boas ideias e inteligência são mais importantes que efeitos mirabolantes e orçamentos inchados. Desde que surgiram no cenário artístico americano - com o noir tardio "Gosto de sangue", de 1984 - Joel e Etan Coen nunca fizeram nada que não merecesse elogios rasgados da crítica. Roteiristas, diretores, produtores e até mesmo editores (sob o pseudônimo de Roderick Jaynes), eles são uma indústria de dois homens. E "Fargo" é uma de suas obras-primas.
Fargo é uma pequena cidade do interior de Dakota do Norte, onde acontece o encontro que dá o pontapé inicial à trama criada pelos Coen - falsamente indicada como uma história real nos créditos de abertura. É em um bar esfumaçado de Fargo que o Jerry Lundegaard (William H. Macy) conhece os mal-encarados Carl Showalter (Steve Buscemi) e Gaear Grimsrud (Peter Stormare), recomendados por um colega de trabalho. Gerente de uma concessionária de automóveis, Jerry tem um plano aparentemente infalível para arrumar o dinheiro que lhe dará a oportunidade de investir em um negócio próprio: ele contrata os dois desconhecidos para que sequestrem sua esposa e peçam resgate a seu rude e seco sogro (Harve Presnell). Quando as coisas saem do controle - e corpos começam a se acumular - entra em cena Marge Gunderson (Frances McDormand), uma policial grávida de muitos meses que, detalhista e dedicada, tem como missão resolver o caso dos assassinatos ocorridos em sua jurisdição.
A recepção calorosa dos membros da Academia a "Fargo" é fácil de entender. Apesar de manter intactas as principais características de seu cinema - e até exagerá-las em determinadas sequências - Joel e Ethan Coen atingem, aqui, um equilíbrio raro entre a subversão e o mainstream. O visual apurado - cortesia de uma fotografia gélida de Roger Deakins - está um passo acima de seus trabalhos anteriores, e é brilhante a forma como o roteiro escrito a quatro mãos é conciso e assertivo. Sem apelar para as complicações de "Ajuste final", por exemplo, os irmãos contam sua história de forma direta, evitando ao máximo desviar a atenção da audiência para tramas paralelas. E, ao contrário da regra não escrita que dita que um filme policial precisa ser levado a sério e uma comédia não deve recorrer à violência, embaralham as cartas de maneira a surpreender o público a cada nova cena. E para isso, contam com personagens quase inacreditáveis vividos por um elenco nunca aquém de brilhante.
O humor nos filmes dos irmãos Coen é absolutamente particular. Não desperta gargalhadas histéricas nem tampouco é fácil ou comum, surgindo sempre da ironia, e isso nunca foi tão óbvio quanto em "Fargo". Os cadenciados diálogos que movem a história de morte e violência encontram em atores sensacionais sua voz perfeita. William H. Macy começa aqui uma galeria de homens fracassados que encontraria o auge em sua parceria com o diretor Paul Thomas Anderson, nos filmes "Boogie nights" e "Magnólia", onde viveria respectivamente um marido traído e um ex-gênio precoce decadente. Sua indicação ao Oscar de ator coadjuvante foi justíssima e um prêmio não seria imerecido - principalmente se for levado em conta que perdeu a estatueta para o exagerado Cuba Gooding Jr.. Steve Buscemi e Peter Stormare formam uma dupla impecável em suas diferenças cruciais - e Stormare consegue ser apavorante nos momentos mais fortes do filme. Mas é Frances McDormand quem rouba descaradamente a cena, em uma interpretação genial, felizmente reconhecida com uma estatueta dourada.
Falando com um sotaque absurdo - e com uma naturalidade impressionante - McDormand faz de sua Marge uma personagem multidimensional, alternando sua personalidade metódica de policial com a doçura de uma futura mãe. É McDormand, com suas inflexões vocais e físicas (seu rosto é excepcional para comunicar-se com o público mesmo sem uma palavra dita) que parece dar um sentido de ordem à bagunça orquestrada pelos realizadores. Suas cenas com John Carroll Lynch - que vive seu marido dono-de-casa - são tranquilas, quase tediosas, como forma de demonstrar sua vida doméstica. Quando contracena com William H. Macy transforma-se em uma mulher forte que esconde sua inteligência atrás do barrigão de gestante. Com seus interrogados ela transmuta-se no que for preciso para arrancar informações. Como atriz, McDormand - esposa de Joel Coen - é digna de arrancar os maiores elogios possíveis.
"Fargo" é uma pequena pérola do cinema independente americano. Realizado com meros 7 milhões de dólares, é uma prova cabal de que pouco dinheiro nunca foi desculpa para falta de talento. Mesmo não agradando a todos os tipos de público - cuja maioria prefere assistir sempre a filmes mais "comuns" - é uma obra que une a ousadia do cinema de autor com a qualidade técnica da indústria hollywoodiana.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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Um comentário:
Comentamos sobre esse filme ontem em uma reunião que fizemos. Muito divertido e merece ser conferido!
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