quinta-feira

O APRENDIZ

O APRENDIZ (Apt pupil, 1998, Phoenix Pictures, 111min) Direção: Bryan Singer. Roteiro: Brandon Boyce, conto de Stephen King. Roteiro: Newton Thomas Siegel. Montagem e Música: John Ottman. Figurino: Louise Mingenbach. Direção de arte/cenários: Richard Hoover/Jennifer Herwitt. Produção executiva: Tim Harpert. Produção: Bryan Synger, Jane Hamsher, Don Murphy. Elenco: Ian McKellen, Brad Renfro, Elias Koteas, Bruce Davison, David Schwimmer, Joshua Jackson. Estreia: 23/10/98

O cartaz de "O aprendiz" já diz muito a respeito do que é falado em seus 111 minutos de duração: "Se você não acredita na existência do mal, você tem muito o que aprender." Baseado em uma novela de Stephen King - publicada no livro "As quatro estações", que também contém as histórias que deram origem aos filmes "Conta comigo" e "Um sonho de liberdade" - o filme de Bryan Singer provou mais uma vez que as tramas de King que fogem do sobrenatural são muito mais fortes e interessantes do que suas obras que versam sobre alienígenas, mortos-vivos e poderes sobrenaturais. Ao ter como protagonistas pessoas de carne e osso, suas histórias mais realistas comovem (e assustam, em alguns casos) muito mais do que tiros n'água como "O apanhador de sonhos". E "O aprendiz" é uma pequena pérola do suspense, ainda que em nenhum momento apele para o grotesco.

Aluno exemplar e filho dedicado, o adolescente Todd Bowden (Brad Renfro) descobre, quase sem querer, que seu idoso vizinho Arthur Denker (Ian McKellen), que vive isolado em uma casa afastada, é, na verdade Kurt Dussander, um criminoso de guerra procurado pelo governo de Israel para ser julgado por seus abomináveis crimes contra os judeus. Fascinado pela II Guerra Mundial, o jovem procura o nazista e, sob ameaça de denunciá-lo, o obriga a relembrar e descrever-lhe seus atos de violência durante o conflito. Em um misto de repugnância e fascinação, Bowden começa a sentir os efeitos da amizade com o velho quando a crueldade passa a se revelar em seu dia-a-dia. Consequentemente, o pacato Arthur Denker volta a sentir o prazer perverso de tirar vidas e torturar seres vivos.


Quando assumiu a cadeira de direção de "O aprendiz", o jovem cineasta Bryan Singer estava vindo do inesperado (e merecido) sucesso de "Os suspeitos", cultuado e elogiado pela crítica e pelo público. Contando com a aprovação do próprio Stephen King - que vendeu os direitos da história por apenas um dólar em sinal de confiança - Singer cercou-se de profissionais de sua confiança (o editor e músico John Ottman e o diretor de fotografia Newton Thomas Siegel entre eles) para construir um drama de suspense que abre mão de truques sujos que tanto infestam o gênero para abraçar um clima de tensão crescente e imprevisibilidade (até mesmo quem leu o texto do escritor pode se surpreender, uma vez que o final foi ligeiramente alterado pelo roteirista Brandon Boyce). Sem pressa, Singer vai inserindo os dados da trama aos poucos, dando tempo ao espectador de envolver-se delicadamente na doentia relação entre Todd e seu idoso vizinho.

Provando que seu talento não era fogo de palha, o cineasta demonstrou uma segurança invejável e um grande domínio sobre a arte da narrativa, apresentando um thriller sufocante, adulto e poderoso, sem espaço para gracinhas desnecessárias e julgamentos morais. Não há heróis em "O aprendiz" e, ao contrário do que se poderia esperar, eles não fazem a mínima falta. Tanto Arthur Denker com sua alma viciada em crueldade quanto Todd Bowden com seu fascínio pela maldade são personagens de grande complexidade, defendidos por atores de imenso talento. O veterano Ian McKellen (aos 57 anos vivendo um homem de 75) presenteou o público com uma atuação exemplar no mesmo ano em que concorreu ao Oscar por sua interpretação como cineasta gay James Whale em "Deuses e monstros". Com uma competência assustadora, ele mostrou todas as nuances de sua quase imperdoável personagem, manipulando com maestria os sentimentos da plateia. E o jovem Brad Renfro - elogiado por sua performance em "O cliente" e "Sleepers, a vingança adormecida" - confirmou que era uma das maiores promessas de sua geração (promessa essa que encerrou-se com sua morte prematura aos 25 anos, em 2008). Assumindo o difícil e complicado papel de um protagonista tão longe dos ideais comerciais, Renfro atuou como gente grande, não se deixando intimidar pelo gigantismo do talento de McKellen.

Mesmo sem ser um filme de terror, "O aprendiz" é um dos filmes mais arrepiantes do final da década de 90. Inteligente, claustrofóbico e perigosamente realista, é também um dos mais sensacionais trabalhos do grande Ian McKellen.

2 comentários:

Hugo disse...

É um ótimo e perturbador drama, com duas grandes atuações de Brad Renfro e Ian McKellen.

Bryan Singer mostrava novamente seu talento após o ótimo "Os Suspeitos".

Abraço

Cristiano Contreiras disse...

Trabalho grandioso de direção e roteiro, além da dupla que mantém todo um clima denso de pura emoção firmada na tensão psicológica. Seu texto mostra bem o senso do filme, parabéns, só acho que gostei mais dele que você.

McKellen merecia indicação por esse e não por "Deuses e Monstros".

Saudoso Brad!

abraço

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