CONFISSÕES DE UMA MENTE PERIGOSA (Confessions of a dangerous mind, 2002, Miramax, 113min) Direção: George Clooney. Roteiro: Charlie Kaufman, livro de Chuck Barris. Fotografia: Newton Thomas Sigel. Montagem: Stephen Mirrione. Música: Alex Wurman. Figurino: Renée April. Direção de arte/cenários: James D. Bissell/Louis Dandonneau, Anne Galléa, Robert Greenfield. Produção executiva: Stephen Evans, Jonathan Gordon, Rand Ravich, Steven Soderbergh, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Andrew Lazar. Elenco: Sam Rockwell, George Clooney, Julia Roberts, Drew Barrymore, Maggie Gyllenhaal, Rutger Hauer. Estreia: 31/12/02
Urso de Ouro Melhor Ator (Festival de Berlim): Sam Rockwell
Normalmente o que leva um ator a assumir a cadeira de diretor é a vaidade. Somada à megalomania, ela pode levar a obras como "Dança com lobos" - que encantou milhares de pessoas e os votantes do Oscar de 1991, que o escolheram em detrimento do extremamente superior "Os bons companheiros" - ou "Coração valente" - que supreendeu todo mundo mostrando que Mel Gibson tinha mais talento como cineasta do que como ator dramático. Em 2003 um outro ator uniu-se à galeria de novos diretores - que inclui também Robert Redford, Danny DeVito, Robert DeNiro, Sean Penn, Edward Norton, Orson Welles e inúmeros outros menos cotados - e, para alívio geral, saiu-se muito melhor do que a encomenda. Já famoso como ator e galã, George Clooney assumiu as rédeas de "Confissões de uma mente perigosa", alucinante (e alucinada) versão para o cinema das memórias de Chuck Barris, um produtor de TV americano que, nas horas vagas, trabalhava como agente secreto da CIA. Brilhantemente escrito pelo demente (no bom sentido) Charlie Kaufman e apresentando um trabalho excepcional de Sam Rockwell no papel central, o filme colecionou elogios e prêmios - melhor ator no Festival de Berlim, melhor roteiro pelo National Board of Review - e confirmou Clooney como um diretor extremamente talentoso.
Dono de um apurado senso de humor, Clooney encontrou no tom sarcástico do script de Kaufman o material perfeito para sua estreia. Mesmo contando uma história séria, com toques de violência e até mesmo lances de grande dramaticidade, ele transformou seu filme em uma comédia original, criativa e imprevisível, que em nenhum momento dá pistas de tratar-se da obra de um iniciante. O ex-galã (que arrumou ainda espaço para uma participação como ator, talvez como chamariz de bilheteria) se utiliza de soluções bastante inteligentes no desenvolvimento da trama, demonstrando uma segurança ímpar. Contando ainda com a edição do experiente Stephen Mirrione (colaborador de seu amigo Steven Soderbergh), ele faz de "Confissões de uma mente perigosa" um divertido filme de espionagem onde a espionagem é quase uma coadjuvante de luxo. Nada é exatamente o que parece em seu filme, e é justamente aí que está toda a graça.
Sam Rockweel deita e rola como Chuck, um produtor de programas de televisão (criador do famoso "Namoro na TV") que é recrutado pelo misterioso Jim Byrd (Clooney) para trabalhar na CIA. A princípio pensando tratar-se de uma brincadeira, logo ele começa a perceber que está realmente envolvido em violentos trabalhos em várias partes do mundo, sempre acompanhado da bela Patricia Watson (Julia Roberts, se divertindo perceptivelmente no papel) e do sinistro Keeler (Rutger Hauer). Ao tentar equilibrar suas duas personalidades - empresário do show business e matador a serviço do governo - ele acaba entrando em um surto psicótico que o afasta da mulher que ama, Penny (Drew Barrymore).
Contando a coisa parece muito séria, mas não é. Realizado com um senso de ritmo invejável - para o que o roteiro magistral de Kaufman (que não gostou da maneira com que o cineasta tratou seu trabalho no corte final) colabora lindamente - "Confissões" não deixa a peteca cair em momento algum, surpreendendo a plateia constantemente (seja nas reviravoltas da trama ou na participação afetiva de Matt Damon e Brad Pitt em uma sequência hilariante). Fotografado com discrição por Newton Thomas Sigel (que assina a fotografia dos filmes de Bryan Singer) em tons pastéis que contrastam com o colorido exagerado dos cenários televisivos dos programas de Barris, o filme só peca em um detalhe: não é histericamente engraçado nem tampouco é um policial tradicional, e essa indecisão (ou transgressão das regras, o que soa mais apropriado) acabou lhe custando caro. Ao custo de quase 30 milhões de dólares, sua renda doméstica mal chegou aos 16. Felizmente o fracasso comercial não abalou o George Clooney diretor, que depois presentearia a plateia com filmes mais sérios e ainda mais elogiados, como "Boa noite, e boa sorte" (2005) e "Tudo pelo poder" (2011).
No final das contas, "Confissões de uma mente perigosa" é um dos mais empolgantes filmes de estreia que se tem notícia, que cresce a cada revisão. Quem não conhece não pode perder tempo! E, além do mais... quem pode resistir ao carinho do ator tornado diretor com a família, ao escolher uma canção de sua tia Rosemary Clooney para encerrar a projeção?
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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