Em seu currículo, o cineasta inglês Alan Parker conta com o raivoso “Expresso da meia-noite” (1978), que bradava contra o sistema jurídico e penal da Turquia e gerou controvérsias variadas na época de sua exibição. De lá pra cá, Parker novamente criou obras polêmicas (“Mississipi em chamas”), flertou com o musical (“Fama”, The Commitments, loucos pela fama" e “Evita”) e assinou um dos mais assustadores filmes de terror da história (“Coração satânico”). Dono de um talento inquestionável, ele no entanto amargou um fracasso crítico e de bilheteria com “A vida de David Gale”, que se pretendia um libelo poderoso contra a pena de morte mas acabou morrendo na praia de suas boas intenções. Com menos de 20 milhões de dólares de arrecadação nos EUA, o filme também foi ignorado nas cerimônias de premiações, apesar do elenco estelar, do tema forte e de suas qualidades, praticamente relevadas por seus detratores.
O David Gale do título é um brilhante e respeitado professor de filosofia vivido por Kevin Spacey que vê sua vida virar de cabeça pra baixo de uma hora pra outra. Traído pela esposa e acusado de estupro por uma aluna mal-intencionada, ele perde o emprego e o casamento, deixando-se levar pelo desespero e por problemas com bebidas alcóolicas. Fragilizado, ele acaba se envolvendo com Constance Harraway (Laura Linney), que junto com ele faz parte de um comitê ativo contra a pena de morte. Quando Constance aparece estuprada e morta, Gale é considerado culpado e condenado à morte. Quatro dias antes da execução, ele pede para dar uma entrevista à ambiciosa Bitsey Bloom (Kate Winslet) e a jovem repórter começa a desconfiar que sua certeza acerca da culpa do professor pode estar completamente equivocada e que um inocente pode estar às vésperas de morrer por um crime que não cometeu.
Longe de ser um petardo emocional como “Os últimos passos de um homem”, que mexe com mais paixão no assunto da pena capital, “A vida de David Gale” deixa a emoção de lado por um bom tempo, concentrando-se nos mecanismos que levaram o protagonista à delicada situação em que se encontra. Para isso não hesita em apelar para alguns clichês do gênero policial, com reviravoltas finais e um suspense que funciona bastante bem em alguns momentos mas que carece de força em outros. É inegável, no entanto, que o seu final consegue surpreender, principalmente por não ser previsível – apesar de soar um tanto inverossímil em um primeiro olhar.
Também é inegável que a maior força de “A vida de David Gale” vem de seu elenco, liderado por atores há muito consagrados e admirados. Kevin Spacey nem precisa se esforçar muito pra mostrar porque é um dos melhores atores de sua geração, principalmente quando interpreta personagens pouco heróicos e bastante comuns. Laura Linney compõe sua Constance com medidas exatas entre lucidez, estoicismo e delicadeza, o que é fundamental para a compreensão de seu destino trágico. Mas é Kate Winslet quem rouba a cena. Na pele da ambiciosa repórter Bitsey Bloom, a atriz inglesa demonstra uma variedade de nuances em sua atuação, tornando crível a sua mudança de atitudes e pensamentos do início ao final do filme, o que talvez Nicole Kidman (a escolha inicial para o papel) não conseguisse com tanta facilidade.
“A vida de David Gale” está longe de ser uma obra-prima e nem perto de ser o melhor trabalho da carreira de Alan Parker, mas merece uma segunda chance de ser descoberto e apreciado por suas inúmeras qualidades. Produzido por Nicolas Cage, que acabou deixando o papel principal de lado (assim como o fez George Clooney), é um filme sério e adulto, que mexe com as certezas arraigadas da plateia. Não é todo mundo que faz isso!
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