Em 1922, o
alemão F.W. Murnau não conseguiu a autorização necessária para adaptar o
romance “Drácula”, escrito por Bram Stoker, e resolveu o problema à sua
maneira: mudou o nome dos personagens, alterou algumas de suas características
e lançou “Nosferatu, uma sinfonia de horror” – que acabou por tornar-se um dos
mais influentes filmes de terror da história do cinema. O que poderia ter sido
um caso de sucesso total, no entanto, foi maculado por um processo judicial,
que levou o estúdio produtor do filme à falência. Menos de uma década depois,
porém, a família do escritor irlandês parecia não estar tão irascível: nada
menos do que duas peças de teatro baseadas no livro de Stoker já haviam sido
inspiradas no romance - uma escrita por Hamilton Deane e outra por John L.
Balderson – e finalmente a história do Conde mais famoso da Transilvânia pode
chegar às telas de cinema sem disfarces ou artifícios. Produzido pela Universal
– que se especializaria em filmes de monstros, como “Frankenstein” e “A múmia”
– e adaptado diretamente dos dois espetáculos teatrais de sucesso, “Drácula”
estreou no Dia dos Namorados americano de 1931 e, apesar de alguns deslizes no
resultado final, acabou por assumir um lugar de destaque entre os clássicos do
cinema. Especialmente porque foi o filme que deu origem ao mito Bela Lugosi.
Húngaro de nascimento, Lugosi já
interpretava Drácula nos palcos, com seu forte sotaque estrangeiro servindo
como uma das características mais marcantes de seu desempenho. Sua entrada no
filme de Tod Browning, no entanto, não aconteceu graças aos méritos de sua
inspirada atuação: o cineasta já havia escalado seu ator preferido, Lon Chaney
– de “O corcunda de Notre Dame” (23) e “O fantasma da Ópera” (25) – para o
papel, mas foi obrigado pelo destino a mudar de ideia: Chaney morreu
precocemente, abrindo de forma trágica o caminho para Lugosi, que não deixou a
chance escapar. Com o enorme sucesso de bilheteria do filme, seu rosto virou
(ao lado de Boris Karloff) sinônimo de horror. Tudo bem que ele tentou
aventurar-se por outros gêneros, mas nem o público nem a crítica o deixavam
esquecer de seu maior êxito – aliás, nem Ed Wood, o pior diretor de todos os
tempos, que tornou-se seu amigo nos últimos anos de sua vida e contou com ele
em algumas de suas produções inenarráveis, como mostra a cinebiografia de Wood,
que leva seu nome e foi dirigida por Tim Burton (no filme, Johnny Depp
interpreta o cineasta e Martin Landau assombra como Lugosi, em atuação premiada
com o Oscar de coadjuvante). O Conde Drácula criado por Lugosi é bem mais fiel
ao personagem criado por Bram Stoker – um aristocrata gentil, sedutor e
sofisticado – do que o monstro apavorante que Murnau mostrou ao mundo, e talvez
esse seja o maior motivo da perenidade de sua caracterização.
Apoiado pela fotografia em
preto-e-branco de Karl Freund – familiarizado com a escola expressionista alemã
– e pelos cenários inspirados que refletem com precisão o estilo gótico pretendido
pelo diretor Browning (especializado em filmes de terror pouco sutis), Lugosi
faz de seu Conde um homem amável, que esconde sob seus bons modos e ar
cavalheiresco, uma inesgotável sede de sangue traída apenas por seu eloquente
olhar, sempre sublinhado pelo jogo de luz e sombras de Freund. Sem apelar para
a violência explícita, o cineasta conduz o roteiro de Garrett Fort sem maiores
sobressaltos, mas peca por não ousar narrativamente e transformar seu filme em
uma obra um tanto quadradinha demais – é um filme de terror que, apesar de
Lugosi, da trama e da ambientação, não assusta e nem surpreende. Isso faz dele
um filme ruim? Absolutamente, já que nota-se claramente em todo o seu
desenvolvimento um cuidado raro em obras do gênero. Mas é preciso admitir que,
ao mudar alguns pontos importantes do romance original, o roteiro enfraquece
muitas das consequências dramáticas da história. Um exemplo? Quando o filme
começa, não é Jonathan Harker quem visita o Conde na Transilvânia e lhe vende
uma propriedade em Londres, e sim Reinfield (Dwight Frye) – que no livro já é
um escravo de Drácula desde as primeiras páginas e cujo desaparecimento empurra
o jovem herói para o universo do vampiro-mor. No filme de Browning, Harker só
conhece Drácula no teatro, quando o protagonista também é apresentado à Mina
(Helen Chandler) – que aqui não é a reencarnação da amada do monstro, e sim
apenas a filha do patrão de Reinfield. E, pecado dos pecados, o clímax da
história, quando Drácula é finalmente confrontado por seu caçador, o professor
Van Helsing (em boa atuação de Edward Van Sloan), é extremamente fraco e sem
emoção, diluindo todo o clima de suspense construído até então.
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