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FRANKENSTEIN

FRANKENSTEIN (Frankenstein, 1931, Universal Pictures, 70min) Direção: James Whale. Roteiro: Garrett Fort, Francis Edward Faragoh, peça teatral de Peggy Webling, romance de Mary Shelley. Fotografia: Arthur Edeson. Montagem: Clarence Kolster. Direção de arte: Charles D. Hall. Produção: Carl Laemmle Jr.. Elenco: Colin Clive, Mae Clarke, John Boles, Boris Karloff, Edward Van Sloan, Frederick Kerr. Estreia: 21/11/31


O cineasta inglês James Whale deveria saber muito bem, assim como o protagonista de seu filme mais famoso, o que significava o sentimento de exclusão e desajuste: homossexual assumido em uma época cujos conceitos de tolerância às diferenças eram bem menos elásticos, Whale abandonou a carreira em Hollywood no início da década de 40 – ou seja, usufruiu por apenas dez anos o prestígio de sua obra-prima – e morreu, supostamente suicida, em 1957, aos 68 anos de idade (como mostra o belo “Deuses e monstros”, que Bill Condon lançou em 1998, com Ian McKellen no papel do diretor). Certamente a fúria interior de Whale e seu desejo de manifestar a violência da intolerância serviram de força motriz à potência dramática de “Frankenstein”, adaptação livre do romance gótico de Mary Shelley que, parte de um pacote de filmes de terror da Universal (que incluía o também icônico “Drácula”, com Bela Lugosi), sobreviveu ao tempo como um impressionante retrato de como a humanidade reage em relação às diferenças.

Sem preocupar-se com exatidão ao livro de Shelley – que deu origem a diversos outros produtos, seja no cinema, nos palcos e até na televisão, com níveis diferentes de fidelidade ao material original – o roteiro baseia-se também na peça teatral de Peggy Webling, o que explica algumas diferenças bastante óbvias na condução da trama, incluindo-se aí a mudança do nome do protagonista: enquanto no romance o cientista que brinca de Deus ao criar uma vida em seu laboratório secreto chama-se Victor Frankenstein, no filme de Whale ele foi batizado como Henry – em interpretação notável de Colin Clive – e tanto o prólogo e o epílogo escritos pela jovem autora foram limados (e só voltariam a fazer parte da história na versão dirigida por Kenneth Branagh em 1994, que trata com extrema fidelidade o manuscrito original). De tintas bem mais trágicas do que o filme – que faz milagres em desenvolver toda a trama em meros 71 minutos – o livro capricha em descrever os desastres pessoais pelos quais passa o cientista antes de finalmente dedicar-se à sua obsessão, mas o filme passa por cima desses detalhes para ater-se basicamente nas consequências de tal ato. E visto por esse ângulo, o trabalho de Whale é um triunfo.

Um homem de bom-gosto inquestionável – quando abandonou o cinema, ele passou a dedicar-se à pintura – Whale cria cada sequência de seu filme com requinte e beleza, imprimindo um tom de melancolia e poesia até às cenas mais banais. A bela fotografia em preto-e-branco sublinha o tom gótico da narrativa e enfatiza os pormenores daquela que é a sua maior qualidade: a atuação icônica e fascinante de Boris Karloff, que mesmo sem dizer uma única palavra em todo o filme, traduz com exatidão as nuances sonhadas pelo cineasta. Ao lado de Jack Pierce, responsável pela maquiagem antológica da criatura, Whale concebeu um monstro que ainda hoje, 85 anos depois de sua estreia, povoa a imaginação das plateias. Mesmo que talvez seja motivo de piada diante de efeitos especiais que praticamente emburreceram o gênero terror – e de inúmeras imitações, homenagens e paródias – o visual da criatura é de um êxito impressionante. Não há quem não reconheça a imagem: um homem com a cabeça achatada, com plugues no pescoço, roupa esfarrapada, botas pesadas, pálpebras caídas e repleto de cicatrizes entra em cena de costas, devagar, enquanto a câmera se aproxima e mostra a uma plateia de respiração suspensa o resultado dos experimentos ensandecidos de um cientista irresponsável e ambicioso cujo maior objetivo na vida – além de casar-se com a namorada de infância, Elizabeth (Mae Clark) – é ser capaz de criar um ser humano a partir das partes de pessoas mortas.

Obviamente as consequências de tal ambição não serão nada agradáveis, e uma trilha de sangue e morte é deixada conforme a criatura – foragida depois de assassinar o cruel assistente de Frankenstein, Fritz (Dwight Frye), personagem inexistente no livro e que acabou por tornar-se parte do inconsciente coletivo graças à comédia “O jovem Frankenstein” (74), de Mel Brooks, quando recebeu o nome de Igor e foi vivido por Marty Feldman – parte atrás de seu criador. No caminho, até mesmo suas tentativas de adaptação a um mundo hostil e intolerante a quem foge dos padrões acabam em tragédia. James Whale não tem medo de chegar até o fim em sua missão de impactar o espectador, e nem mesmo crianças são poupadas de suas ousadias. O clímax – o embate entre criador e criatura no alto de um penhasco – também é digno de nota, por inaugurar uma tendência que se mantém atual no cinema comercial: por frente a frente herói e vilão (ainda que nesse caso a divisão não seja assim tão óbvia).

Executado de forma brilhante, “Frankenstein” é do tipo de filme que não sai da cabeça do espectador mesmo depois de muito tempo. Suas imagens, fortes e concebidas com o claro intuito de encantar e assustar ao mesmo tempo, são uma prova inconteste do talento de seu diretor, que consegue a façanha de sobrepujar um roteiro um tanto superficial com ideias fascinantes e inteligentes. Se Boris Karloff é o corpo do filme – que acabou por transformar-se em uma espécie de marca registrada sua – Whale é sua alma. Sua união é responsável por um dos clássicos absolutos do cinema, capaz de encantar mesmo nos cínicos dias de hoje.

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