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OS OITO ODIADOS

OS OITO ODIADOS (The hateful eight, 2015, Double Feature Films, 187min) Direção e roteiro: Quentin Tarantino. Fotografia: Robert Richardson. Montagem: Fred Raskin. Música: Ennio Morricone. Figurino: Courtney Hoffman. Direção de arte/cenários: Yohei Taneda/Rosemary Brandenburg. Produção executiva: Georgia Kacandes, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Richard N. Gladstein, Shannon McIntosh, Stacey Sher. Elenco: Kurt Russell, Samuel L. Jackson, Jennifer Jason Leigh, Walter Goggins, Bruce Dern, Michael Madsen, Tim Roth, Demián Bichir, James Parks, Channing Tatum. Estreia: 07/12/15

3 indicações ao Oscar: Atriz Coadjuvante (Jennifer Jason Leigh), Fotografia, Trilha Sonora Original
Vencedor do Oscar de Melhor Trilha Sonora Original
Vencedor do Golden Globe de Melhor Trilha Sonora Original 

Já nem é mais novidade: a cada filme novo de Quentin Tarantino que chega às telas o mundo se divide entre aqueles que o incensam como um dos mais originais e inventivos cineastas norte-americanos já existentes e aqueles que questionam seu talento e criatividade, lançando mãos de críticas que - vá lá - até fazem certo sentido sob determinados pontos de vista. Porém, a verdade é que, independente do fato de gravitar sempre em um universo todo particular (aparentemente localizado em algum lugar entre os anos 70 e 80 e povoado de filmes de baixo orçamento e roteiros pra lá de bizarros), Tarantino é um dos poucos diretores em atividade no cinema americano ainda capazes de suscitar tanta discussão e despertar tanto interesse da mídia, do público e da crítica. E não poderia ser diferente em relação a "Os oito odiados", seu oitavo longa, que correu o sério risco de jamais ver a luz dos projetores quando teve seu roteiro vazado antes mesmo da fase de pré-produção. Furioso com o imprevisto - e coberto de razão - Tarantino quase desistiu do projeto mas, convencido pelo amigo Samuel L. Jackson (apaixonado pela história e pelos personagens), voltou atrás na decisão. Sorte dos fãs inveterados (que encontrarão no filme, em versão exagerada, tudo que o diretor sempre ofereceu em seus trabalhos anteriores) e azar dos detratores (que, se arriscarem uma sessão, podem correr o risco de uma overdose de longos diálogos, sangue aos borbotões e maneirismos técnicos que a tantos agrada e a tantos outros repele).

Revisitando um gênero caro à sua memória afetiva, o western (que já havia homenageado com propriedade no ótimo "Django livre"), Tarantino acrescenta a "Os oito odiados" um clima de mistério à Agatha Christie e um tom teatral que enfatiza como nunca sua facilidade absurda de criar diálogos inspiradíssimos e personagens antológicos em situações extremas. Situando sua trama em um período imediatamente posterior à Guerra de Secessão, o diretor joga o público direto no gélido frio do Wyoming, onde a diligência do caçador de recompensas John Ruth (Kurt Russell em um grande momento da carreira) encontra um concorrente, o famoso Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson mostrando porque é um dos maiores atores americanos de sua geração, especialmente quando dirigido por Tarantino). Warren pede que Ruth lhe dê uma carona (e aos cadáveres que ele pretende trocar por uma gorda quantia de dólares) até a cidade de Red Rock e não demora para juntar-se a ele e à sua prisioneira, Daisy Domergue (a sensacional Jennifer Jason Leigh) na difícil viagem rumo a seu destino. Domergue é uma assassina procurada que Ruth tem a intenção de entregar ao carrasco de Red Rock e todos eles se surpreendem quando, ainda no caminho em direção à cidade, eles dão de cara com Chris Mannix (Walton Goggins), que alega ser o novo xerife do local e que também pede ajuda para chegar até lá.

No meio do caminho, devido a uma nevasca, a diligência se vê obrigada a fazer uma parada inesperada na estalagem de Minnie Mink (Dana Gourrier), uma conhecida de Warren que, em viagem para visitar a mãe, deixou o local aos cuidados do mexicano Bob (Demian Bichir). Juntando-se aos demais hóspedes também presos na hospedaria - o carrasco Oswaldo Mobray (Tim Roth), o lacônico Joe Gage (Michael Madsen) e o veterano General Sandy Smithers (Bruce Dern) - os novos visitantes não demoram a perceber um clima de tensão e desconfiança no ar. O que ninguém sabe, porém, é que os comparsas de Daisy não tem a menor intenção de permitir que ela seja entregue e enforcada, e que tem um plano elaborado para resgatá-la antes de sua chegada a Red Rock. Caberá então ao perspicaz Major Warren descobrir quem do grupo reunido na hospedaria está ao lado da temida e debochada assassina.


"Os oito odiados" é Tarantino do primeiro frame - os créditos com o mesmo design dos letreiros já trai suas origens - ao último minuto - que chega somente depois de quase três horas de duração. Muitos reclamam da demora em começar a ação propriamente dita (tiros, sangue, violência), mas é difícil sentir-se incomodado ao ver em cena atores tão fantásticos - Samuel L. Jackson, Michael Madsen, Tim Roth, Bruce Dern e Jennifer Jason Leigh (os três primeiros repetindo a parceria com o diretor e Jennifer merecidamente indicada ao Oscar de coadjuvante) - desfilando seu talento pela tela. Com o auxílio luxuoso da bela fotografia de Robert Richardson (também indicada ao Oscar) e da sensacional trilha sonora do veterano Ennio Morricone (vencedor de sua primeira estatueta por seu trabalho), o filme realmente aparenta ter um problema de ritmo - só depois de uma hora e meia é que as coisas realmente começam a acontecer - mas basta olhar com atenção para perceber que nada é por acaso, nenhum diálogo é supérfluo e a longa duração serve para mergulhar o espectador na tensão indispensável ao clímax sanguinolento, de dar inveja à carnificina de "Cães de aluguel", filme de estreia de Tarantino e que o colocou, de primeira, no coração dos cinéfilos e da crítica.

Com uma violência estilizada que enfatiza seu humor nigérrimo - Jennifer Jason Leigh passa o filme inteiro sendo espancada, para horror das feministas - e o tom politicamente incorreto que sempre caracterizou a obra do diretor, "Os oito odiados" é a cara de seu criador. Seus diálogos são longos e expressivos. Sua violência é um misto de crueza e humor negro. Seu linguajar é cortante e realista, Não é uma obra-prima como "Pulp fiction, tempo de violência" ou "Bastardos inglórios", mas é mais uma declaração incontestável de um estilo cinematográfico que já está indelevelmente marcado na cultura popular norte-americana e mundial há pelo menos duas décadas, quer se goste ou não. Falem bem ou falem mal, é impossível ficar indiferente a um filme de Quentin Tarantino. E de quantos artistas se pode dizer o mesmo hoje em dia?

2 comentários:

Pau Kuri disse...

Muito bom elenco como em todos os filmes de Tarantino! Uma história muito bem executada (um filme que tem que assisitr da HBO MAX ONLINE ) , interessante! A premissa do filme é simples, mas a execução é impecável. Temos algumas tomadas memoráveis e trilha sonora de primeiríssima, mas seu ponto mais forte está nos diálogos, que retratam bem o período no qual a película é situada sendo ao mesmo tempo modernos e ainda relevantes. Também há uma certa sensação claustrofóbica por não se ter para onde fugir e o fato da gravação ter boa parte sido feita em locação (ao invés de estúdio) ajuda nisso, pois percebe-se que estamos definitivamente diante de um ambiente gelado e que isso não é mera obra de computação gráfica. O elenco também está afiadíssimo, com destaque especial para Samuel L. Jackson, que pode muito bem estar diante de uma possível indicação ao Oscar, ainda que não se possa descartar nenhum dos atores para a honraria.

Clenio disse...

Pau Kuri, é um dos grandes filmes do Tarantino, injustamente esquecido nas principais categorias do Oscar. Grande abraço.

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