JOGO DO DINHEIRO (Money monster, 2016, TriStar Pictures, 98min) Direção: Jodie Foster. Roteiro: Jamie Linden, Alan DiFiore, Jim Kouf, estória de Alan DiFiore, Jim Kouf. Fotografia: Matthew Libatique. Montagem: Matt Chesse. Música: Dominic Lewis. Figurino: Susan Lydall. Direção de arte/cenários: Kevin Thompson/Lydia Marks. Produção executiva: Tim Crane, Kerry Orent, Regina K. Scully, Ben Waisbren. Produção: Lara Alameddine, George Clooney, Daniel Dubiecki, Grant Heslov. Elenco: George Clooney, Julia Roberts, Jack O'Connell, Dominic West, Caitriona Balfe, Giancarlo Esposito, Christopher Denham. Estreia: 12/5/16
Atriz consagrada com dois Oscar e cineasta bissexta, Jodie Foster gosta de retratar, em ambas as funções, personagens em situações-limite, à beira (ou durante) um ataque de nervos. Foi assim com a mãe solteira, vivida por ela mesma, que tentava lidar com a pressão de ter um filho superdotado, em "Mentes que brilham" (1991), com a recém desempregada (Holly Hunter) que se reencontrava com todas os problemas de seu clã, em "Feriados em família" (1995), e com o pai de família (Mel Gibson) que luta contra a depressão ao iniciar uma inusitada amizade com um bicho de pelúcia, em "Um novo despertar" (2011). E é assim também com o personagem central de seu quarto longa-metragem, "Jogo do dinheiro": em estado de absoluto desespero (por razões plenamente compreensíveis), o jovem Kyle Budwell é o mais novo membro da galeria de angustiados protagonistas da filmografia de Foster. Interpretado com energia e dedicação por Jack O'Connell, ator revelado por Angelina Jolie em "Invencível" (2014), Kyle é, certamente, o mais trágico dentre todos, e também o mais crítico: com base em um roteiro sem medo de remexer em uma das maiores feridas americanas (a especulação financeira responsável pela imensa crise econômica enfrentada pelo país). Uma interessante mistura entre "Wall Street: poder e cobiça" (1987) e "Rede de intrigas" (1976), "Jogo do dinheiro" não alcançou muita repercussão nos EUA (talvez seja inteligente e adulto demais para isso), mas merece ser descoberto - se não é o melhor filme da diretora, ao menos é bastante superior à média e apresenta um elenco que dispensa comentários.
George Clooney - um dos produtores do filme, o que o confirma como um astro de cinema com uma agenda política atuante e questionadora - surge em cena como Lee Gates, o exibicionista e um tanto arrogante consultor financeiro que apresenta um programa de televisão chamado "Money Monster", no qual comenta os altos e baixos da bolsa de valores e aconselha os telespectadores a respeito de investimentos em ações. Uma de suas dicas, no entanto, acaba por surpreender até mesmo aos mais experientes analistas do mercado, e uma empresa aparentemente sólida, perde milhões e milhões de dólares de uma hora para outra. O que parecia apenas uma situação comum em um meio tão instável, porém, acaba com consequências imprevisíveis: durante a apresentação de um programa ao vivo, o cenário é invadido por Kyle Budwell (Jack O'Connell), um zelador que perdeu todo o dinheiro que tinha ao seguir a orientação de Gates e exige, em rede nacional, que sua história seja contada e que os reais motivos da queda das ações seja explicado. Enquanto o prédio é evacuado - além de uma arma de mão o rapaz também obriga Gates a vestir um colete acoplado a uma bomba - a diretora do programa, Patty Fenn (Julia Roberts), tenta ganhar tempo e encontrar uma maneira de convencer Kyle a desistir de seus planos. Com ajuda externa, ela tenta descobrir a verdade por trás da empresa de Walt Camby (Dominic West) - que parece ter muito mais a esconder do que aparentava a princípio.
Ao tentar equilibrar a tensão da relação entre Kyle e Gates - claustrofóbica, opressiva e muitas vezes perigosa - com a investigação comandada por Patty através da cabine de onde mantém o programa no ar, o roteiro não chega a encontrar um meio-termo ideal, mantendo um ritmo irregular que nem mesmo o carisma de seus atores é capaz de esconder. Competente em arrancar atuações memoráveis de seus atores e experiente em lidar com intrigas de bastidores - um dos episódios da segunda temporada de "House of Cards" tem a sua assinatura -, Jodie Foster imprime um tom de urgência e relevância à trama, mas nem sempre consegue conexão com o espectador. Talvez o tema e os personagens pouco simpáticos sejam os maiores responsáveis, mas é somente no terço final do filme, quando finalmente os três protagonistas parecem estar no mesmo time - e lutando contra as injustiças e a corrupção do sistema financeiro - é que "Jogo do dinheiro" deslancha. Gradualmente aumentando a pressão sobre Kyle e revelando ao público que por trás de sua ingenuidade há também um esquema de interesses escusos e putrefatos, Foster vai aos poucos ganhando terreno para um final explosivo - alterado a seu próprio pedido e talvez menos climático do que o desfecho original, mais cínico e irônico.
Mesmo sem traduzir o roteiro, considerado como um dos melhores inéditos de 2014, em um filme capaz de mudar a percepção da audiência sobre o assunto tratado - e nem mesmo transformá-lo em uma produção de grande impacto, Jodie Foster consegue sair de sua zona de conforto como diretora, deixando de lado os dramas familiares para explorar um terreno mais pantanoso. Demonstra segurança - em especial na direção de atores, provavelmente herança de seus trabalhos com gente do naipe de Scorsese, Jonathan Demme e Robert Zemeckis - e evita, felizmente, estragar a tensão crescente com piadinhas infundadas ou inapropriadas. "Jogo do dinheiro" é um filme sério - o que não significa chato ou pedante - e adulto, realizado para aquele tipo de audiência que procura outras opções além de super-heróis e efeitos especiais mirabolantes. Fala de pessoas e de como atos trazem consequências - previsíveis ou não, passíveis ou não de conserto. É um filme quase amargo, mas com um sabor de verdade, o que muito falta no cinema norte-americano atual. Pode tornar-se um clássico ou um filme injustiçado de uma diretora muito inteligente: só o tempo dirá.
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