quarta-feira

PEGANDO FOGO

PEGANDO FOGO (Burnt, 2015, The Weinstein Company, 101min) Direção: John Wells. Roteiro: Steven Knight, estória de Michael Kalesniko. Fotografia: Adriano Goldman. Montagem: Nick Moore. Música: Rob Simonsen. Figurino: Lyn Elizabeth Paolo. Direção de arte/cenários: David Gropman/Tina Jones. Produção executiva: David Glasser, Claire Rudnick Polstein, Gordon Ramsay, Dylan Sellers, Michael Shamberg, Kris Thykier, Harvey Weinstein, Bob Weinstein, Negeen Yazdi. Produção: Stacey Sher, Erwin Stoff, John Wells. Elenco: Bradley Cooper, Siena Miller, Daniel Bruhl, Omar Sy, Uma Thurman, Matthew Rhys, Alicia Vikander, Riccardo Scamarcio, Sam Keeley, Emma Thompson. Estreia: 18/10/15

 Em cinema, definitivamente há males que vem para o bem. Senão vejamos: em 2008, um roteiro escrito por Steven Knight - indicado ao Oscar por "Coisas belas e sujas", de 2004 - chegou às mãos do cineasta David Fincher, um dos mais inventivos e consistentes cineastas de sua geração. A notícia seria ótima se o ator escalado por Fincher para estrelar o projeto não fosse Keanu Reeves, não exatamente um exemplo de talento dramático (e que estava com a carreira em franca decadência). Como as coisas em Hollywood não andam em um ritmo muito ágil, o projeto estagnou e Fincher pulou fora - e Reeves também não foi adiante. Foi somente em 2012 que Bradley Cooper foi anunciado no papel principal - antes que começasse a ser respeitado pela crítica e pela Academia, que lhe indicou por três anos consecutivos ao Oscar -, comandado por Derek Cianfrance. Cianfrance, elogiado pela direção de "Namorados para sempre" (2010), porém, também não durou muito no posto e foi substituído por John Wells, um nome pouco conhecido do grande público mas com anos de experiência no leme de episódios de séries consagradas, como "Plantão médico" e "West Wing" e em vias de lançar "Álbum de família", que colocaria novamente Meryl Streep e Julia Roberts no páreo por uma estatueta dourada. No final das contas, a desistência de Fincher e Cianfrance acabaram por fazer bem ao filme: "Pegando fogo" é uma obra que não se encaixaria em nenhuma das duas filmografias, mas é um ponto de sofisticação e versatilidade na carreira de Wells - e uma prova de que Cooper é realmente bem mais que um simples galã.

Na verdade, Cooper, no auge do carisma, é o ponto alto de "Pegando fogo", não apenas por conseguir a simpatia do público mesmo com um personagem repleto de defeitos, como pelo fato de não se deixar eclipsar por atores de talento comprovado, como Uma Thurman, Emma Thompson e Daniel Bruhl. Completamente à vontade em cena, ele deita e rola na pele de Adam Jones, um chef de cozinha ao mesmo tempo sedutor e arrogante, obcecado pela profissão e por seu objetivo de reconquistar o autorrespeito e a admiração dos colegas - principalmente daqueles com quem tem um relacionamento marcado por desavenças e supostas traições. Na medida certa entre o cinismo e uma escondida autopiedade, ele conquista a plateia justamente por ser tão falível (e por vezes quase desagradável), um desafio do qual seu intérprete consegue se desvencilhar com segurança ímpar. Cooper só não vai ainda mais longe porque o roteiro, mesmo ágil, esperto e sem espaço para lágrimas fáceis, não se aprofunda o bastante para lhe dar um material mais forte. Mesmo assim, Adam Jones e Bradley Cooper formam um par perfeito.


Jones é um chef de cozinha autodestrutivo e prepotente que, depois de praticamente acabar com sua brilhante e ascendente carreira, resolve recomeçar a vida. Deixando para trás seu vício em drogas - e uma dívida com traficantes franceses - ele volta à Londres com o objetivo claro de comandar um restaurante e alcançar as ambicionadas três estrelas Michelin (o santo graal da gastronomia mundial). O restaurante que ele escolhe para ser o palco de sua redenção é comandado por um antigo conhecido, Tony (Daniel Bruhl) - que aceita, a contragosto, ajudá-lo, mais por ser apaixonado por ele e saber de seu talento do que por confiar em sua sobriedade. Adam começa, então, uma jornada para montar o time perfeito, e para isso, reúne dois antigos colegas: Max (o galã italiano Riccardo Scamarcio) - que está saindo da cadeia - e Michel (Omar Sy, do sucesso francês "Intocáveis"), que perdeu tudo o que tinha graças a uma situação armada pelo próprio Adam. A eles juntam-se o jovem David (Sam Keeley) e a promissora Helene (Siena Miller), uma mãe solteira se torna sua maior pedra no sapato dentro da cozinha. Juntos, eles tentarão alcançar a almejada cotação máxima para o restaurante - enquanto o chef briga com seus demônios particulares e a atração que sente por Helene.

Editado com agilidade e elegância, "Pegando fogo" é um filme de visual deslumbrante - todas as cenas em que aparecem os pratos sendo montados e degustados é de dar água na boca - e ritmo agradável. Ao mesmo tempo em que se utiliza da gastronomia como pano de fundo para uma história de reconquista da autoestima, ela é peça fundamental para a narrativa, fornecendo os elementos dramáticos da trama e se mostrando em todo o seu glamour e suas misérias. Buscando o máximo de realismo para as cenas que se passam na cozinha, Wells apresenta sequências apetitosas com outras de grande tensão, que refletem tanto o desafio profissional dos personagens (sempre em constante pressão) quanto o mundo interior do protagonista, a um passo de um ataque de nervos. Bom diretor de atores, Wells comanda o espetáculo com leveza, mas extrai atuações inspiradas de todo o seu elenco - e ainda dá espaço para uma química excelente entre Cooper e Siena Miller, que ficou com um papel para o qual foram cogitadas Michelle Williams e Marion Cottilard. O casal de atores - que já foram um casal também em "Sniper americano" (2014) - valoriza cada momento juntos, e acrescenta um tom romântico a uma história de redenção e amadurecimento. Não é um filme inesquecível, mas é um passatempo acima da média, tornado ainda melhor graças a um elenco impecável e uma direção discreta e eficaz. Um bom entretenimento!

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