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MOONLIGHT: SOB A LUZ DO LUAR

MOONLIGHT: SOB A LUZ DO LUAR (Moonlight, 2016, A24/Plan B Entertainment, 111min) Direção: Barry Jenkins. Roteiro: Barry Jenkins, estória de Tarrell Alvin McCraney. Fotografia: James Laxton. Montagem: Joi McMillon, Nat Sanders. Música: Nicholas Britell. Figurino: Caroline Eselin-Schaefer. Direção de arte/cenários: Hannah Beachler/Regina McLarney Crowley. Produção executiva: Sarah Esberg, Tarrell Alvin McCraney, Brad Pitt. Produção: Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Adele Romanski. Elenco: Ashton Sanders, Mahershala Ali, Naomie Harris, Alex R. Hibbert, Janelle Monaé, Duan Sanderson. Estreia: 02/9/16 (Festival de Teluride)

8 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Barry Jenkins), Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), Atriz Coadjuvante (Naomie Harris), Roteiro Adaptado, Fotografia, Montagem, Trilha Sonora Original
Vencedor de 3 Oscar: Melhor Filme, Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), Roteiro Adaptado
Vencedor do Golden Globe de Melhor Filme/Drama 

Um filme com um elenco predominantemente negro, que falava de assuntos delicados como racismo, bullying, drogas e homossexualidade dificilmente poderia ser considerado material atraente para os conservadores membros da Academia de Hollywood. Mas "Moonlight: sob a luz do luar" rompeu todas essas barreiras (e o fato de ter sido realizado com um orçamento irrisório de 1,5 milhão de dólares) e tornou-se o grande campeão do Oscar 2017, tirando a principal estatueta das mãos dos produtores do franco-favorito "La La Land: cantando estações" - em um episódio sem precedentes, que constrangeu espectadores e apresentadores com o anúncio errado do nome do vencedor. Sua vitória, que pegou todo mundo de surpresa apesar da coleção de elogios e prêmios na temporada (incluindo o Golden Globe de melhor drama e o reconhecimento do American Film Institute), pode ser explicada por três caminhos: o racional, o emocional e o artístico (que não deixa de ser uma mistura dos dois primeiros).


Primeiro racionalmente: "Moonlight" surgiu como o pretexto mais que perfeito para que a Academia, violentamente atacada no ano anterior pela falta de diversidade em suas indicações, mostrasse que o preconceito de que era acusada não existia. Parte de uma temporada repleta de homenagens a atores de diferentes raças - e filmes que celebravam a diferença, como "Estrelas além do tempo", "Um limite entre nós" e "Lion: de volta para casa" - e com uma equipe formada em sua maioria esmagadora por negros, o filme de Barry Jenkins preenchia todos os requisitos necessários para passar a impressão de que a pressão da comunidade afro-americana havia funcionado. Lhe oferecendo oito indicações e três estatuetas - além de melhor filme, ficou com os prêmios de roteiro adaptado e ator coadjuvante - a Academia poderia voltar a dormir sossegada, sem polêmicas a assombrar-lhe o sono. Além disso, uma das produtoras do filme (Plan B Entertainment) tinha entre seus donos ninguém menos do que Brad Pitt - e já havia levado "12 anos de escravidão" ao pódio, na cerimônia de 2014. Ao contrário do filme de Steve McQueen, no entanto, "Moonlight" tem uma visão contemporânea do que é ser negro nos EUA no século XXI e nenhum de seus personagens é branco - algo admirável, especialmente quando se percebe que não existe, no roteiro, nenhuma tentativa de maniqueísmo sentimental.



E é aí que entra o segundo caminho que pode ter levado "Moonlight" ao Oscar: adaptado da peça teatral "In the moonlight black boys look blue", inédita nos palcos, o roteiro do diretor Barry Jenkins jamais tenta buscar a simpatia do público através de artifícios sentimentais. Mesmo que o protagonista passe por situações bastante pesadas em sua trajetória rumo à maturidade, sua cor nunca é mencionada como problema: cercado por outros personagens igualmente negros, ele tem à sua volta exemplos dos mais variados, desde um traficante de drogas sensível e paternal até sua mãe, viciada em drogas e que, em seus raros momentos de sobriedade, também é capaz de lhe dar carinho. Com personagens multidimensionais - como Kevin, o melhor amigo que lhe faz descobrir tanto o amor quanto a decepção - e sentimentos reais que afloram em cada cena de forma sutil e delicada (a fotografia de James Laxton também foi merecidamente indicada ao Oscar, com sua paleta de cores que refletem as mudanças de personalidade do personagem central e o ambiente ao seu redor), o filme não subestima a inteligência do espectador e, mesmo que não fuja daquilo que é impossível negar (a realidade negra na periferia de Miami, repleta de violência e pobreza), evita fazer disso seu ponto principal. Aliás, é admirável como Jenkins consegue falar de tanta coisa ao mesmo tempo sem soar pretensioso ou confuso (e sem forçar a mão em nenhum dos temas, conduzindo com elegância e fluidez uma história de perda da inocência que deixa no ar uma sensação de ternura e esperança poucas vezes vista no gênero.


A trama de "Moonlight" é dividida em três atos, em que o protagonista é interpretado por três atores diferentes, de acordo com sua faixa etária. Quando o filme começa, ele é uma criança inocente, tímida e reprimida pelos colegas valentões, que é resgatado de uma possível surra por Juan (Mahershala Ali, da série "House of Cards", premiado com o Oscar de ator coadjuvante). Traficante de drogas cubano, Juan consegue conquistar a confiança do menino, que se apresenta como Little (na pele de Alex Hibbert) e encontra em seu lar e em sua namorada, Teresa (a cantora Janelle Monáe), um arremedo de família que não tem em casa, já que sua mãe, Paula (Naomie Harris, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante), está perigosamente indo em direção ao vício em crack. É Juan que acaba por lhe servir de imagem paterna, apesar da desconfiança de Paula. No segundo ato, já se apresentando como Chiron (e vivido por Ashton Sanders), ele vive um grave conflito com sua sexualidade e com a forma como ela é percebida por seus colegas, que ainda o mantém sob constante ameaça - inclusive seu amigo Kevin (Jharrell Jerome), que se deixa levar pela violência dos companheiros apesar de sua amizade com ele. O final trágico deste ato conduz à terceira e última parte da narrativa: adulto e entregue ao tráfico de drogas, com o codinome de Black (Trevante Rhodes), ele vive em Atlanta, tentando esquecer o passado traumático - até que recebe um telefonema de Kevin (André Holland) e resolve visitá-lo e passar a limpo seu afastamento.


Humano, tocante e sensível, "Moonlight" é um belíssimo filme, realizado com alma e coração. Mesmo com suas inúmeras qualidades artísticas - a fotografia inspirada, a edição fluente, a trilha sonora que inclui até Caetano Veloso cantando "Cucurucucu Paloma" - é sua aposta na emoção e nos sentimentos primais que ele encontra sua conexão com a audiência. Apresentando três jovens atores que cumprem com perfeição seu papel de protagonista e coadjuvantes impecáveis, a obra de Barry Jenkins é um marco não apenas por suas conquistas artísticas e sociais, mas também por mostrar que talento não tem cor ou raça. À parte as motivações políticas que podem ter empurrado os eleitores em sua direção na hora de votar - e talvez até mesmo o desgosto com a eleição de Donald Trump à presidência - seus méritos são imensos e dignos dos maiores elogios. "La La Land" pode ficar tranquilo: perder o Oscar principal para "Moonlight" não deixa de ser uma honra!

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