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O CAMINHO DAS NUVENS

O CAMINHO DAS NUVENS (O caminho das nuvens, 2003, Luiz Carlos Barreto Produções Cinematográficas, 85min) Direção: Vicente Amorim. Roteiro: David França Mendes. Fotografia: Gustavo Hadba. Montagem: Pedro Amorim. Música: André Abujamra. Figurino: Cristina Kangussu, Valeria Stefani. Direção de arte: Jean-Louis Leblanc. Produção executiva: Paula Barreto. Produção: Bruno Barreto, Lucy Barreto, Luiz Carlos Barreto, Angelo Gastal. Elenco: Cláudia Abreu, Wagner Moura, Ravi Ramos Lacerda, Manoel Sebastião, Felipe Newton, Cristina de Lima, Cláudio Jaborandy, Sidney Magal, Carol Castro, Augusto Madeira, Alexandre Zacchia. Estreia: 11/8/2003 (Festival de Toronto)

Dois dos mais assíduos e talentosos nomes do cinema brasileiro durante o final dos anos 1990/começo dos anos 2000, Cláudia Abreu e Wagner Moura se encontraram pela primeira vez nas telas graças a dois dos mais reconhecidos e longevos produtores nacionais, Lucy e Luiz Carlos Barreto. "O caminho das nuvens" pode não ter levado multidões às salas de cinema, mas foi uma promissora estreia de Vicente Amorim como diretor de longas-metragem. Depois de trabalhar como diretor de curtas e alguns episódios da série de televisão "A justiceira", o cineasta, apesar de nascido na Áustria e criado em diversas cidades do mundo, voltou sua câmera para o interior do Nordeste brasileiro, com suas dificuldades econômicas e sociais, para criar uma história de amor familiar e da obstinação de um homem para oferecer uma vida digna para seus filhos. Contando com o carisma extraordinário de sua dupla de protagonistas e uma trilha sonora repleta de sucessos de Roberto Carlos (interpretados pela própria Cláudia Abreu), "O caminho das nuvens" é, no mínimo, um filme simpático - apesar de apresentar uma trama um tanto fraca e um final em aberto que pode incomodar à parte da plateia.

Premiado como Melhor Ator no Festival de Cartagena, Wagner Moura está à vontade na pele de Romão, um pai de família sem estudo e desempregado que acredita piamente que apenas um emprego que pague 1000 reais pode resolver o problema de sustentar a mulher, Rose (Cláudia Abreu), e os cinco filhos - um deles ainda de colo. Sem dinheiro para pagar passagens de ônibus a todos, Romão e sua prole embarcam em uma viagem absurda, de bicicletas, do nordeste do país até o Rio de Janeiro, onde ele espera - como um obcecado Dom Quixote - encontrar finalmente o emprego que sonha. No meio do caminho, o grupo ganha dinheiro como pode: as crianças lavam carros e Rose, mãe dedicada e esposa amorosa, se apresenta em restaurantes de beira de estrada, cantando músicas de Roberto Carlos, sempre acompanhada de um de seus meninos. Tentando sobreviver de forma honrada, a família encontra ainda uma dificuldade inesperada quando o filho mais velho, Antônio (Ravi Ramos Lacerda), resolve tornar-se independente dos pais: sentindo-se maduro o suficiente para isso, ele desafia o poder paterno e põe em risco a estabilidade da caravana.


O roteiro, escrito por David França Medeiros, não se propõe a fazer discursos sobre a desigualdade social e tampouco aprofunda a psicologia de seus personagens, dos quais o público só tem informações esparsas e pouco informativas. O que interessa a Medeiros - e a Amorim, como diretor -, são as interrelações que surgem no decorrer de seu road movie, sejam elas entre pais e filhos, marido e mulher, ou a família com outros personagens que vão surgindo no caminho. Tais personagens, que tanto ajudam quanto atrapalham o herói em sua jornada, são ainda menos desenvolvidos: aparecem, cumprem seu papel na trama e são abandonados, assim como a estrada que vai ficando para trás a cada dia. Tal decisão do roteiro é justificada e coerente, mas priva o espectador de algumas histórias paralelas que poderiam ser igualmente fascinantes - como o diretor de um show para turistas, vivido por Sidney Magal, que se utiliza de Romão e alguns de seus filhos para uma versão estilizada de rituais indígenas em um hotel. A presença de tal personagem é catalisadora: não apenas reforça a vontade do protagonista de seguir seus instintos, como mostra ao jovem Antônio um mundo bem distante de seu universo - limitado pela proteção da família e pelos áridos cenários a que está acostumado.

A trilha sonora de "O caminho das nuvens" é um caso à parte. Belas canções de Roberto Carlos ("Como é grande o meu amor por você", "Se você pensa") ilustram cada movimento da família, interpretadas por uma surpreendentemente afinada Cláudia Abreu - que não esquece de acrescentar o sotaque nordestino a suas apresentações. De certa forma, a música alivia a dor e a dureza da trajetória de Romão e Rose, oferecendo a ela uma aura romântica que os faz lembrar, sempre, de que, apesar das dificuldades, eles tem grande amor e respeito um pelo outro. Os olhares expressivos de Cláudia e Wagner em determinados momentos dizem mais do que muitos diálogos - e a música sublinha seus sentimentos mais nobres. Poucos anos mais tarde, o cineasta Breno Silveira voltaria a utilizar o cancioneiro de Roberto no sensível "À beira do caminho" (2012), mas "O caminho das nuvens" faz isso de maneira ainda mais orgânica e sentimental. É um complemento e tanto para um filme delicado e que, se não encontrou seu público à época de seu lançamento (apesar de ser uma co-produção da Globo Filmes), vale a pena descobrir, nem que seja pelos talentos superlativos de sua dupla central de atores.

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