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O CASAMENTO DE RACHEL

O CASAMENTO DE RACHEL (Rachel getting married, 2008, Sony Pictures Classic, 110min) Direção: Jonathan Demme. Roteiro: Jenny Lumet. Fotografia: Declan Quinn. Montagem: Tim Squyres. Música: Donald Harrison Jr., Zafer Tawil. Figurino: Susan Lyall. Direção de arte/cenários: Ford Wheeler/Chryss Hionis. Produção executiva: Carol Cuddy, Ilona Herzberg. Produção: Neda Armian, Jonathan Demme, Marc Platt. Elenco: Anne Hathaway, Debra Winger, Rosemarie De Witt, Anisa George, Mather Zickel, Tunde Adebimpe, Bill Irwinn, Anna Deavere Smith, Sebastian Stan. Estreia: 01/9/08 (Festival de Veneza)

 Indicado ao Oscar de Melhor Atriz (Anne Hathaway)

Quando Jonathan Demme começou a chamar a atenção do público, na segunda metade da década de 1980, ele se destacava por comédias amalucadas com personagens femininas fortes - "Totalmente selvagem" (1986), com Melanie Griffith, e "De caso com a máfia" (1988), com Michelle Pfeiffer, tornaram-se cult movies principalmente por suas atrizes principais. Depois, em uma nova fase, ele abraçou o cinema comercial (pero no mucho) com filmes vencedores do Oscar - "O silêncio dos inocentes" (1991), vencedor das cinco principais estatuetas da Academia, e "Filadélfia" (1993), que deu o primeiro troféu a Tom Hanks e premiou Bruce Springsteen por sua bela "Streets of Philadelphia". Mais tarde, depois do fracasso do ambicioso "Bem-amada", estrelado por Oprah Winfrey em 1998, dedicou-a remakes: "O segredo de Charlie" (2002), tinha Mark Wahlberg e Thandie Newton, e "Sob o domínio do mal" (2004) foi estrelado por Denzel Washington e Meryl Streep, mas nenhum fez barulho nas bilheterias e junto aos críticos. Foi assim, como um cineasta já acostumado aos altos e baixos da profissão e que buscava conforto dirigindo documentários e videoclipes, que Demme voltou aos holofotes. Realizado de forma independente e emprestando seu visual dos documentários, "O casamento de Rachel" estreou no Festival de Veneza de 2008 - e, de cara, chamou a atenção para a qualidade que seria seu maior trunfo nas cerimônias de premiação da temporada: o desempenho excepcional de sua protagonista, Anne Hathaway.

Uma atriz então em ascensão, com papéis tanto em dramas premiados como "O segredo de Brokeback Mountain" (2005) quanto em sucessos de bilheteria como "O diabo veste Prada" (2006), a jovem Hathaway (que levaria o Oscar de coadjuvante pela versão cinematográfica do musical "Os miseráveis", de 2012) foi a escolha perfeita para viver a conturbada e complexa protagonista do filme de Demme, uma mulher não exatamente admirável, mas tão repleta de nuances que somente uma atriz com seu talento conseguiria segurar sem apelar para os clichês que se poderia esperar. Tudo bem que o roteiro de Jenny Lumet - filha do veterano cineasta Sidney Lumet - foge completamente de qualquer emoção mais fácil, mas é a união da direção de Jonathan e da atuação de Hathaway que dá a estrutura da narrativa. Filmado com uma câmera na mão e contando apenas com uma trilha sonora diagética (originada apenas pelos sons dentro da ação), "O casamento de Rachel" se equilibra com cuidado entre um drama familiar e o registro de uma cerimônia que tem espaço para reconciliações, brigas, lavagem de roupa suja e, para salvação de todos, demonstrações de amor profundo e apaixonado. Tudo regado a vários gêneros musicais (inclusive com a participação de uma escola de samba) e interpretações precisas - e conta-se aí o retorno da ótima Debra Winger, no papel,  secundário mas crucial, da mãe da personagem central.


Kym Buchman, a protagonista, acaba de ser liberada provisoriamente de sua reabilitação para o casamento de sua irmã mais velha, Rachel (Rosemarie De Witt). Ausente de casa há nove meses, e frequentadora habitual da clínica de onde está saindo, Kym não é exatamente uma pessoa confiável, o que fica claro com a constante vigilância de seu pai, Paul (Bill Irwin) e com o clima de tensão que seu retorno ao lar provoca em todos. A relação entre Kym e Rachel é de carinho, mas não demora para que a noiva passe a sentir-se incomodada com a presença de sua irmã mais nova - especialmente quando Kym começa a dar sinais de que pretende aproveitar a festa para tentar remendar alguns de seus erros do passado, o que inclui um acidente fatal que ainda não está superado pela família. Envolvida também em uma relação casual com um dos padrinhos do noivo, Kieran (Mather Zickel), a quem conheceu em uma reunião de Alcóolicos Anônimos, Kym está sempre a um passo de uma recaída - ou, pior ainda, de uma tentativa desesperada de provar-se uma mulher mais segura e confiante para todos os convidados do casamento, incluindo a desconhecida família do noivo.

Ainda que tenha recuperado parte do prestígio do diretor, "O casamento de Rachel" nem de longe chega a lembrar a genialidade demonstrada em seus filmes mais populares - principalmente o inesquecível "O silêncio dos inocentes". Seu filme acerta em não fazer de Kym uma heroína chorosa ou vítima - ainda que isso faça dela um tanto irritante, também a torna muito mais crível. Anne Hathaway deita e rola com as oportunidades do papel (que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz), e enfrenta com segurança a série de desafios que o roteiro lhe apresenta, incluindo um embate violento com sua mãe e uma sessão de lembranças que traz à tona (mais uma vez) a tragédia causada por ela na adolescência. Os personagens de Lumet são realistas, humanos e passíveis de erros, e é exatamente por isso que "O casamento de Rachel" consegue ser tão incômodo e quase desagradável em alguns momentos. A delicadeza com que Demme trata a produção, no entanto, evita o melodrama barato e a aproxima mais da filmografia de Robert Altman - grande referência do diretor durante as filmagens. Simples no visual e complexo nos sentimentos, "O casamento de Rachel" não é recomendado para quem busca entretenimento puro - mas pode conquistar àqueles que procuram uma consistência dramática cada vez mais rara no cinemão norte-americano.

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