A CRIANÇA (L'enfant, 2005, Les Films du Fleuve, 95 min) Direção e roteiro: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne. Fotografia: Alain Marcoen. Montagem: Marie-Helène Dozo. Figurino: Monic Parelle. Direção de arte: Igor Gabriel. Produção executiva: Olivier Bronckart. Produção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne, Denis Freyd. Elenco: Jérémie Renier, Déborah François, Jéremie Segard. Estreia: 17/5/05 (Festival de Cannes)
Palma de Ouro (Festival de Cannes)
Assim como Hollywood conta com Ethan e Joel Coen como um time cuja filmografia (quase) nunca decepciona, a Bélgica também tem uma dupla de irmãos cujo prestígio é atestado pela crítica e pelo Festival de Cannes - de onde já saíram premiados duas vezes com a Palma de Ouro de melhor filme, uma vez com o prêmio de melhor direção, três vezes com o Prêmio do Júri Ecumênico, uma vez com o Grande Prêmio do Júri e, em uma ocasião, com a láurea de Melhor Roteiro. Desde 1987 realizando longas-metragem, Jean-Pierre e Luc Dardenne, vindos do universo dos documentários, vem encantando o público de festivais internacionais e críticos do mundo inteiro com sua simplicidade estética, seu humanismo à toda prova e a delicadeza com que tratam seus personagens - invariavelmente passando por crises pessoais e/ou financeiras. Um de seus mais bem-sucedidos filmes, "A criança", não apenas lhes rendeu o prêmio máximo de Cannes 2005, como colocou-os em evidência em inúmeros festivais europeus, encantados por sua trama, capaz de emocionar e angustiar na mesma proporção. Com uma dupla central de atores completamente imersa em seus personagens e um tom de urgência quase palpável - enfatizado pela nervosa câmera de mão e pela ausência de trilha sonora -. "A criança" é um respiro de humanidade, ainda que seja preciso passar por boas doses de sofrimento para alcançar (ou não) um final feliz.
O filme começa quando a jovem Sonia (Déborah François) deixa a maternidade, com seu pequeno Jimmy nos braços. Ela sai em busca de seu namorado e pai do bebê, o irresponsável Bruno (Jérémie Renier), que vive de pequenos golpes e furtos e nem se deu ao trabalho de visitá-la durante sua estadia no hospital. Apesar de seu comportamento imaturo, Bruno realmente gosta da namorada, e juntos eles tentam encontrar maneiras de sustentar o bebê, apelando para benefícios sociais e abrigos para pessoas carentes. O idílio familiar, no entanto, dura pouco: ciente de que pode embolsar 500 euros pela venda de seu recém-nascido filho, Bruno resolve vendê-lo sem o conhecimento de Sonia. Quando ela fica sabendo da transação, o elo que os unia quebra imediatamente e o rapaz passa a tentar desesperadamente desfazer o negócio, algo que não é tão fácil quanto ele poderia pensar: além de recuperar o bebê, ele precisa também reconquistar a confiança e o amor da namorada.
O roteiro de "A criança" é simples ao extremo, ao focar sua atenção quase que exclusivamente em seu par de protagonistas - outros personagens são apenas circunstanciais, entrando em cena apenas para empurrar a trama à frente, como o adolescente que serve de sócio a Bruno em seus golpes e roubos e os responsáveis pela compra e venda de bebês. Os diretores acertam em cheio em não julgar os atos de Bruno e tampouco minimizá-los: como todo mundo, o rapaz tem qualidades e defeitos, e sua falta de maturidade pode até lhe servir de atenuante, mas não o exime de culpa e responsabilidade. Não deixa de ser interessante que o título do filme seja "A criança", já que, conforme o desenvolvimento da trama, o personagem-título tanto pode ser o recém-nascido Jimmy ou o pouco confiável Bruno. Para dar vida a alguém tão complexo, o ator Jérémie Renier foi a escolha perfeita: é impossível não simpatizar com ele mesmo diante de seus erros mais imperdoáveis, e torcer, na medida do possível, para que ele consiga reaver o filho e reatar com a namorada. No papel de Sonia - um contraponto necessário às loucuras de Bruno - está Déborah François, que transmite (até mesmo em poucas palavras) uma variedade de sentimentos que conquista o espectador logo na primeira cena. A química entre o casal é um trunfo e tanto nas mãos dos cineastas: outra dupla talvez não tivesse, em cena, a mesma força e o mesmo tom naturalista que é a força-motriz do filme.
"A criança" é um filme que parece com a vida - tanto com suas dores quanto por suas pequenas vitórias. No cerne da obra dos irmãos Dardenne - aqui e em outros filmes - está a compaixão pelo ser humano, por suas idiossincrasias e erro. É sintomático que Bruno seja tão falho e, ao mesmo tempo, tão apaixonante: ele é um arquetípico personagem da dupla de cineastas, dotado de uma verdade quase angustiante e incapaz de perceber que todos os seus atos, por menores que sejam, tem consequências avassaladoras - e, de vez em quando, irremediáveis. Em seu carinho pelo ser humano em geral e por Bruno em particular, Jean-Pierre e Luc Dardenne apontam, no desfecho de sua obra, uma luz no fim do túnel. Se Bruno e Sonia irão aproveitar tal luz ou desperdiçá-la com sua falta de maturidade é uma questão menor. O que importa, em "A criança", é jogar luz em vidas corriqueiras e mostrar ao público que, apesar de tudo, sempre há uma esperança. Em tempos difíceis, não deixa de ser uma ideia reconfortante.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
domingo
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