ATRAVÉS DE UM ESPELHO (Sasom i en spegel, 1961, Svensk Filmindustri, 90min) Direção e roteiro: Ingmar Bergman. Fotografia: Sven Nykvist. Montagem: Ulla Ryghe. Figurino: Mago. Direção de arte: P. A. Lundgren. Produção: Allan Ekelund. Elenco: Harriet Andersson, Gunnar Bjornstrand, Max Von Sydow, Lars Passgard. Estreia: 16/10/61
2 indicações ao Oscar: Melhor Filme Estrangeiro, Roteiro Original
Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
Fazia pouco tempo que a Academia de Hollywood havia criado oficialmente a categoria de Melhor Filme Estrangeiro quando o sueco Ingmar Bergman levou seu segundo Oscar consecutivo. Não que fosse um acontecimento inédito - o italiano Federico Fellini também já tinha duas estatuetas em casa, por "A estrada da vida" e "Noites de Cabíria", premiados em 1956 e 1957, respectivamente. Acontece que, ao contrário de "A fonte e a donzela" (vencedor do Oscar em 1960), o segundo filme oscarizado de Bergman, "Através de um espelho", não foi exatamente aplaudido pela crítica norte-americana quando foi lançado, e um dos artigos chegava a prever que o auge criativo do cineasta estava em seus últimos momentos. Nem mesmo a aprovação da Academia (e sua indicação ao Oscar de roteiro original no ano seguinte, quando foi exibido nos EUA) ajudou a mudar essa situação. Foi preciso que muitos anos se passassem até que finalmente o filme fosse reconhecido como um clássico - e levando-se em conta que até o próprio diretor, pouco afeito a autoelogios, o considerava um de seus melhores trabalhos, demorou bastante para que assumisse, junto aos críticos, um lugar de destaque em sua elogiada filmografia. Vencedor de um prêmio no Festival de Berlim em 1962, "Através de um espelho" é um dos primeiros passos de Bergman em direção à estrutura consagrada cinco anos mais tarde com uma de suas obras-primas, "Persona" (1966).
Assim como em "Persona" e em boa parte de sua obra, Bergman usa e abusa de longas pausas, diálogos profundos e personagens de uma complexidade ímpar. Através de um roteiro que lembra o teatro de Strindberg - e cuja estrutura mais tarde seria emulada pelos filmes mais sérios de Woody Allen -, "Através de um espelho" se mostra sucinto e com intenções filosóficas. A busca por Deus, crises de fé e a procura incessante por uma paz de espírito que se revela muito mais difícil do que se poderia supor, o filme de Bergman é aparentemente econômico em termos dramáticos, mas emocionalmente devastador. Lógico que, sob a visão quase gélida do cineasta, a emoção parece mais cerebral, e é justamente esse aparente paradoxo (razão vs sentimento) que se revela a base do filme: os personagens são inteligentes e cultos, mas sua tentativa de racionalizar o que os devora por dentro acaba se revelando inútil quando a angústia e o desespero assumem a protagonização.
A trama, desenvolvida no roteiro do próprio Bergman, tem início com o retorno de Karin (Harriet Andersson) ao convívio familiar, depois de uma temporada em um hospital psiquiátrico. Seu relacionamento com o marido, Martin (Max von Sydow), há muito deixou de ser um casamento tradicional, transformando-se, aos poucos, em uma amizade profunda. Martin se dedica a cuidar da esposa, e resolve levá-la à propriedade de verão da família, em uma ilha distante. A eles, juntam-se o pai de Karin, David (Gunnar Bjornstrand) - um célebre escritor que praticamente abandonou os filhos após a morte da esposa - e seu irmão, Minus (Lars Passggard), batalhando a seu próprio modo com os hormônios da adolescência. O que deveria ser uma reunião familiar pacífica aos poucos vai se tornando uma grande sessão de terapia: Karin descobre que sua doença mental, herdada da mãe, é incurável, e David tenta reaproximar-se dos filhos - enquanto cabe a Martin tentar equilibrar as relações e apoiar sua mulher em sua descida rumo à insanidade e a busca por uma resposta de Deus a suas questões mais profundas.
Longe de ser um filme fácil, "Através de um espelho" não deixa de ser, também, uma das obras mais acessíveis de Bergman. Apesar de sua utilização de símbolos e metáforas, seu roteiro é linear e fluido, como uma boa peça de teatro. Para isso, ele conta, logicamente, com um quarteto de atores completamente entregues. Harriet Andersson brilha na pele de Karin, a mais complexa dos personagens, uma mulher constantemente no fio da navalha. Max von Sydow, um dos colaboradores habituais do diretor, mostra, mais uma vez, como a economia de gestos e palavras pode engrandecer um filme. O estreante Lars Passgard também dá conta do recado, com um personagem cujos sentimentos somente aos poucos vão sendo revelados (ao espectador e a ele mesmo), e o veterano Gunnar Bjornstrand transmite, através de uma interpretação discreta, todo o turbilhão de culpa e melancolia de seu David. Um filme para adultos, "Através de um espelho" é quase a antítese do cinema comercial americano - para uns, um bálsamo. Para outros, uma tortura. Ainda assim, é impossível negar seu brilhantismo dramático e sua direção exemplar.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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