ESTAMOS
TODOS BEM (Stanno tutti bene, 1990, Erre Produzioni/Les Films
Ariane/TF1 Films Production, 118min) Direção: Giuseppe Tornatore.
Roteiro: Giuseppe Tornatore, Massimo De Rita, Tonino Guerra. Fotografia:
Blasco Giurato. Montagem: Mario Morra. Música: Ennio Morricone.
Figurino: Beatrice Bordone. Direção de arte/cenários: Andrea
Crisanti/Nello Giorgetti. Produção executiva: Mario Cotone. Produção:
Angelo Rizzoli Jr.. Elenco: Marcello Mastroianni, Valeria Cavalli,
Marino Cenna, Norma Martelli, Roberto Nobile, Salvatore Cascio. Estreia:
20/5/90 (Festival de Cannes)
Quando "Estamos todos bem" estreou, no Festival de Cannes de 1990, ainda não fazia nem dois meses que seu diretor, Giuseppe Tornatore, havia recebido (merecidamente) o Oscar de melhor filme estrangeiro pelo belo "Cinema Paradiso" (1989). Já considerado um dos mais promissores cineastas italianos e apostando mais uma vez na emoção, o jovem Tornatore - que ainda não tinha 34 anos completos na ocasião - voltou a emocionar o público, demonstrando uma maturidade narrativa envolvente, que se revela mais e mais profunda conforme se desdobra diante do espectador. Contando com a presença sempre magnética do veterano Marcello Mastroianni no papel principal e com a participação do pequeno Salvatore Cascio - o menino que emocionou o mundo em seu filme anterior -, o diretor conta uma história sobre segredos de família, sonhos frustrados e a inexorabilidade do envelhecimento, tudo acompanhado da trilha sonora de Ennio Morricone.
Mastroianni, de óculos fundo de garrafa e aparentando mais do que seus 65 anos à epoca das filmagens, é o corpo e a alma de "Estamos todos bem". Ele vive Matteo Scuro, um escrivão aposentado, que, depois de ver frustrado seu plano de reunir os cinco filhos - todos com nomes de personagens de ópera - para uma temporada de verão, resolve viajar pela Itália para surpreendê-los em suas rotinas familiares e profissionais. Orgulhoso da família que criou - a ponto de mostrar sua melhor fotografia a quem possa interessar (ou até a quem não tem o menor interesse) -, Matteo começa a jornada com Canio (Marino Cenna), que acredita ser um homem de grande importância dentro da política; depois, ele chega até Tosca (Valeria Cavalli), uma atriz requisitada e que, vez ou outra, cuida do bebê da vizinha; a terceira da lista é Norma (Norma Martelli), a única que lhe deu um neto, um adolescente que acaba de engravidar a namorada; o penúltimo é Guglielmo (Roberto Nobile), parte integrante de uma orquestra que faz shows pela Europa. O único que Matteo não consegue encontrar é Alvaro, que, mesmo que não reconheça, é seu filho preferido: seu paradeiro só é conhecido pelos irmãos, que preferem não revelá-lo ao carente e iludido pai.
Logicamente tudo que Matteo sabe sobre os filhos é apenas a superfície: vivendo longe do pai, todos levam uma vida oposta ao que aparentam diante de seu ingênuo patriarca. Enquanto vai revelando os segredos dos cinco Scuro (um sobrenome que já deixa antever suas existências dúbias), a câmera de Tornatore vai mostrando, também, uma Itália pouco a pouco deixando de ser o nostálgico e romântico país do velho burocrata, com suas ruas mal cuidadas, suas paisagens obscurecidas por obras e sua paz alterada pela velocidade de uma rotina esmagadora. Os respiros proporcionados pelos flashbacks que remetem Matteo a seus dias felizes ao lado da esposa - com quem conversa e a quem faz relatórios constantes de sua viagem solitária - pincelam a narrativa de um tom melancólico que trai a característica mais marcante do diretor: o carinho por seus personagens, que atenua até mesmo seus defeitos. E não atrapalha, é claro, que Marcello Mastroianni ofereça um de seus desempenhos mais emocionantes: na pele de um idoso romântico, por vezes inconveniente e frequentemente inconsciente de sua condição de indesejado, o ícone do cinema italiano deixa de lado a imagem de sedutor e assume a maturidade de forma comovente. É praticamente impossível passar por "Estamos todos bem" e não se emocionar ao menos em alguma de suas belas sequências - valorizadas pelos diálogos certeiros do roteiro enxuto.
"Estamos todos bem" não teve a mesma aclamação popular e crítica de "Cinema Paradiso" - mas rendeu um remake americano estrelado por Robert DeNiro quase dez anos depois. Ao voltar seu olhar para as fissuras no núcleo familiar - um lugar de alcance universal e sempre delicado de se visitar -, Giuseppe Tornatore demonstra que a sensibilidade de seu filme mais celebrado era apenas uma pequena parte de sua calorosa personalidade. Lágrimas não faltam - e o mestre Morricone apenas as sublinham com sua bela e quase irônica melodia.
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