QUAL É O NOME DO BEBÊ? (Le prénom, 2012, Chapter 2/Pathé/TF 1 Films Production, 109min) Direção: Alexandre de La Patellière, Matthieu Delaporte. Roteiro: Matthieu Delaporte, Alexandre de La Patellière, peça teatral de sua autoria. Fotografia: David Ungaro. Montagem: Célia Lafitedupont. Música: Jérôme Rebotier. Figurino: Anne Schotte. Direção de arte: Marie Cheminal. Produção: Dimitri Rassan, Jérôme Seydoux. Elenco: Patrick Bruel, Valérie Benguigui, Charles Berling, Guillaume de Tonquedec, Judith El Zein. Estreia: 25/4/12
Uma comédia francesa - isto é, longe do humor pasteurizado do cinema hollywoodiano - baseada em uma peça de teatro - ou seja, calcada basicamente em diálogos longos e ininterruptos - com personagens intelectual e socialmente bem postos na vida - em outras palavras, predispostos a salpicar suas conversas com referências culturais as mais diversas, especialmente sobre literatura. Quem não se deixar levar pelo preconceito que tais características podem suscitar merece um prêmio, e esse prêmio surgirá em sua frente como um dos mais inteligentes, divertidos e sarcásticos filmes do cinema europeu dos últimos anos: "Qual é o nome do bebê?", adaptado de um espetáculo lançado nos palcos em 2010 e escrito por Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte, diretores de sua transposição para as telas. Mantendo na versão cinematográfica o elenco dos palcos quase em sua totalidade - apenas Guillaume de Tonquedec não defendeu seu personagem no teatro - os dramaturgos/roteiristas/cineastas conseguem um feito notável: prender a atenção do espectador do primeiro ao último minuto graças unicamente ao roteiro esperto e os desempenhos exemplares de atores em dias de grande inspiração.
Ao contrário do que faz supor sua primeira sequência - uma espécie de prólogo que usa elementos de sucessos como "O fabuloso destino de Amélie Poulain", como a narração em off e a edição ágil - toda a trama de "Qual é o nome do bebê?" se passa dentro de um único cenário: o confortável mas levemente abarrotado apartamento do casal Pierre (Charles Berling) e Élisabeth (Valérie Benguigui), dois professores de literatura que tem orgulho de sua vida familiar e profissional. Com claras tendências políticas de esquerda e pais de dois filhos com personalidades bem distintas - a menina mais velha discute "Madame Bovary" com o pai, apesar da pouca idade e o menino anda às voltas com um psicólogo infantil cuja competência divide a opinião do casal - eles começam o filme se preparando para receber informalmente um grupo de amigos para o jantar. O primeiro a chegar é Claude (Guillaume de Tonquedec), trompetista clássico que é amigo de infância de Élisabeth e íntimo da família desde sempre. Educado, gentil e incapaz de tomar partidos que possam ferir outras pessoas - o que lhe vale o apelido de "Suíça" - Claude também é discreto quando se trata de sua vida pessoal, escondendo até mesmo de sua melhor amiga detalhes românticos.
Em seguida, o irmão de Élisabeth chega, com sua empáfia e autoconfiança
tomando conta do ambiente: Vincent (Patrick Bruel) é um bem-sucedido
corretor imobiliário cujo sucesso financeiro contrasta com a ideologia
da irmã e do cunhado, de quem também é amigo desde criança. Em vias de
ser pai, é ele quem irá acender a chama da discórdia, quando resolve
anunciar a todos o nome que escolheu para seu filho: Adolphe. Chocados com a escolha - que a todos remete à Hitler, mas que ele insiste ser em homenagem a um herói da literatura francesa - os anfitriões e Claude tentam demovê-lo de tal ideia, que consideram uma apologia ao genocídio. Defendendo sua escolha com unhas e dentes, Vincent provoca uma candente discussão que ultrapassa os limites da ideologia e chega perigosamente ao nível pessoal. A chegada de sua esposa, Anna (Judith El Zein) - com quem vive uma relação repleta de arestas a serem aparadas - não ajuda em nada. Aos poucos, segredos veem à tona, ressentimentos surgem com força e lealdades são impiedosamente postas à prova e o jantar transforma-se em uma gigantesca lavagem de roupa suja que não poupa nem mesmo outros membros da família que nem ao menos estão presentes no local.
Personagens aparentemente normais que desnudam suas reais angústias e partem para o ataque não é novidade no teatro, sendo a base de alguns textos clássicos, como "Quem tem medo de Virginia Woolf?", de Edward Albee (filmado por Mike Nichols em 1966) e o recente "O deus da carnificina", de Yasmina Reza (transformado em filme por Roman Polanski em 2011). Porém, o que La Patellière e Delaporte conseguem em "Qual é o nome do bebê?" é digno de todos os aplausos. Fugindo do tom de excessivo intelectualismo e da verborragia que poderia transformar seu filme em um mais um exemplar do temido gênero "teatro filmado", os diretores conquistam a plateia com personagens consistentes e piadas constantes, que tornam a experiência de assistir ao filme um prazer dos maiores, entendam-se as referências ou não (e elas nem chegam a incomodar os menos entusiastas de literatura, graças ao ritmo impecável dos diálogos). Interpretados por atores que os tomam para si com uma energia palpável, todos os personagens tem seu momento de brilho - e é triste saber que a ótima Valérie Benguigui, vencedora do César de atriz coadjuvante por seu desempenho, morreu poucos meses depois da premiação, vítima de câncer no seio. É a única nota a se lamentar em relação a uma das melhores comédias das últimas décadas, capaz de arrancar gargalhadas até do mais renitente detrator da cinematografia francesa.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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