MINHA VIDA COM LIBERACE (Behind the candelabra, 2013, HBO Films, 118min) Direção: Steven Soderbergh. Roteiro: Richard LaGravenese, livro de Scott Thorson, Alex Thorleifson. Fotografia: Peter Andrews (Steven Soderbergh). Montagem: Mary Ann Bernard (Steven Soderbergh). Figurino: Ellen Mirojnick. Direção de arte/cenários: Howard Cummings/Barbara Munch Cameron. Produção executiva: Jerry Weintraub. Produção: Susan Ekins, Gregory Jacobs, Michael Polaire. Elenco: Michael Douglas, Matt Damon, Scott Bakula, Rob Lowe, Debbie Reynolds, Cheyenne Jackson, Dan Ayckroyd, Paul Reiser. Estreia: 21/5/13 (Festival de Cannes)
Vencedor de 2 Golden Globes: Melhor Filme ou Minissérie para TV; Melhor Ator de Filme ou Minissérie para TV (Michael Douglas)
Quando o projeto de "Minha vida com Liberace" foi anunciado, em 2008, houve uma surpresa generalizada com o fato de, mesmo com a direção do consagrado Steven Soderbergh e com a presença de astros do calibre de Michael Douglas e Matt Damon - todos os três já premiados com o Oscar - o filme fosse ser produzido pela HBO e lançado como filme para a televisão. Foi o próprio cineasta quem explicou o motivo da recusa de todos os grandes estúdios de Hollywood: considerada gay demais até mesmo para o público que havia feito de "O segredo de Brokeback Mountain" um inesperado sucesso de bilheteria, a história real do mais famoso e extravagante pianista americano do século XX e de seus segredos mais bem escondidos (ao menos para a maioria de fãs femininas que lotavam seus concertos em Las Vegas) estava ameaçada de não sair das páginas do livro de seu ex-amante Scott Thorson e do roteiro do igualmente respeitado Richard LaGravenese (indicado ao Oscar por "O pescador de ilusões"). A decisão da HBO - conhecida pela alta qualidade de seus filmes, séries e minisséries - porém, não foi capaz de solucionar outro problema surgido logo à frente, mais grave e preocupante: a saúde debilitada de Michael Douglas, diagnosticado com câncer assim que o projeto foi anunciado. Filmagens adiadas, mas não canceladas. Felizmente recuperado, Douglas encarnou com maestria um de seus mais desafiadores papéis - e o filme, depois de uma estreia com pompa e circunstância no Festival de Cannes, tornou-se uma das produções mais elogiadas da temporada, com direito a lançamento internacional com o tratamento de uma produção para as telonas. Nada mais justo, já que é um dos melhores filmes de Soderbergh.
Vindo de um período ultra-prolífico mas pouco interessante - em que intercalava filmes medianos como "Terapia de risco" e outros simplesmente ruins, como "Magic Mike" - Soderbergh parecia ter perdido a mão, entregando ao público filmes que, mesmo quando faziam sucesso de bilheteria, jamais traíam a inteligência e o talento de obras como "Irresistível paixão" e "Traffic", que chegou a lhe render um Oscar de melhor diretor. Desacreditado junto à crítica e aos cinéfilos mais exigentes, ele acabou surpreendendo justamente onde ninguém levava muita fé: em um projeto para a televisão, um veículo que, a despeito do preconceito de que sempre foi vítima na comunidade cinematográfica, tornou-se, aos poucos, refúgio de muitos talentos e laboratório para as ousadias narrativas que a busca desesperada pela bilheteria da indústria sepultou sem dó nem piedade. Sem demonstrar qualquer tipo de descaso pelo novo veículo, Soderbergh acabou por voltar à sua melhor forma: "Minha vida com Liberace" é um belo trabalho: sério mas dotado de senso de humor, ousado na temática mas discreto na realização, respeitoso com o protagonista mas nunca condescendente e, mais do que tudo, com uma direção de atores que explica porque Julia Roberts e Benicio Del Toro foram premiados com o Oscar sob o comando do cineasta.
Mais velho do que o próprio artista estava quando morreu - vítima de complicações ligadas ao vírus da AIDS - mas totalmente convincente no papel que lhe rendeu o Golden Globe e o Emmy, Michael Douglas deita e rola: não apenas cria um Liberace egocêntrico a ponto de obrigar o amante a fazer uma plástica facial para ficar parecido com ele como mostra à plateia seu lado carente e generoso (ainda que tal generosidade seja discutível, como mostra o desfecho da história). Quando retrata o Liberace ídolo - adorado por fãs e admirado pela indústria do entretenimento - fica ainda melhor: suas apresentações abarrotadas de casacos de pele, candelabros e brilhos dos mais diversos são o ponto alto do filme, quando Douglas deixa de lado a persona viril que vinha imprimindo à sua carreira até então para se jogar em uma atuação divertida e leve - mas que jamais escorrega para a caricatura, o que seria o caminho mais fácil quando se trata de um personagem tão excêntrico. O respeito de Douglas pelo material é perceptível (até porque seu pai, Kirk Douglas, era amigo de Liberace) e a falta de vaidade com que se entrega a cenas difíceis e delicadas é admirável. Felizmente ele tem a seu lado um Matt Damon igualmente dedicado, em um duelo de gerações que só faz aumentar a qualidade geral da produção.
Na verdade, Damon é o real protagonista de "Minha vida com Liberace": ele vive Scott Thorson, o rapaz tímido e com problemas com os pais que vê sua vida totalmente transformada quando se torna amante e companheiro de Liberace, um dos maiores ídolos do país e que o insere em um universo repleto de luxos e competições internas. Ingênuo até certo ponto, ele demora a perceber que seu valor dentro da mansão do músico está intimamente ligado à sua juventude e sua beleza e, quando isso acontece, entra em rota de colisão com toda a equipe do artista, acostumada com as oscilações dos afetos do patrão. Até que ponto as lembranças de Scott são verdadeiras ou fruto do final amargo de seu relacionamento com Liberace é uma questão que o filme não tenta responder, apesar de seu roteiro jamais por em dúvida as declarações do rapaz. O que o filme mostra é seu ponto de vista, mas, a julgar pelo silêncio que se fez em relação aos fatos (não houve nenhum tipo de desmentido desde a estreia), se não é tudo verdade, boa parte é.
O que importa, no fim das contas, é que "Minha vida com Liberace" devolveu o crédito a Steven Soderbergh, proporcionou a Michael Douglas um retorno triunfal com direito a prêmios e elogios entusiasmados, recolocou Debbie Reynolds na mídia - irreconhecível como a mãe do pianista - e mostrou que não é mais preciso que os grandes estúdios invistam para que filmes de qualidade cheguem aos fãs. É o futuro mostrando seu rosto.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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Um comentário:
Lembrem o nome de Joel Edgerton, Muito boa ator e com uma presença de tela instantânea, Eu gosto quando to vendo um filme com um ator gato como ele em Ao Cair da Noite, Nossa E umos dos Filmes de terror que é tecnicamente criativo e narrativamente exuberante é fantástico, eu amo esse filme, eu gosto de tramas complicadas e boas performances, que prazer tê-lo em outro projeto 💚💛💞
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