A CRUZ DOS ANOS (Make way for tomorrow, 1937, Paramount Pictures, 91min) Direção: Leo McCarey. Roteiro: Viña Delmar, romance de Josephine Lawrence, peça teatral de Helen Leary, Nolan Leary. Fotografia: William C. Mellor. Montagem: LeRoy Stone. Música: George Antheil, Victor Young. Direção de arte/cenários: Hans Dreier, Bernard Herzbrun/A. E. Freeman. Produção: Leo McCarey. Elenco: Beulah Bondi, Victor Moore, Fay Bainter, Thomas Mitchell, Porter Hall, Barbara Read, Elisabeth Risdon, Minna Gombell, Maurice Moscovitch, Ray Mayer. Estreia: 30/4/37
O cineasta Leo McCarey já tinha uma carreira estabelecida na comédia - tendo trabalhado com os maiores nomes do gênero, como Laurel e Hardy, Mae West, os Irmãos Marx e Harold Lloyd - quando surpreendeu público e crítica com "A cruz dos anos", considerado por muitos espectadores como um dos filmes mais deprimentes da história do cinema. Orson Welles mesmo, do alto de seu talento, descreveu-o como um filme "capaz de fazer uma pedra chorar". Entre os admiradores do filme, diretores de renome, como Frank Capra, Jean Renoir e John Ford - além do japonês Yasijurô Ozu, que o usou como inspiração para seu elogiado "Era uma vez em Tóquio" (1953). Mas o que levou McCarey - que no mesmo ano levaria um Oscar pela comédia romântica "Cupido é moleque teimoso" - a penetrar em um universo tão sombrio e melancólico? E o que faz do filme, afinal, tão celebrado e ao mesmo tempo tão dolorido?
Conhecido na indústria por, no mínimo, ter unido pela primeira vez a dupla Laurel e Hardy - também conhecidos por O Gordo e O Magro -, Leo McCarey passou por maus momentos na metade da década de 1930. Durante as filmagens de "Haroldo Tapa-olho" (1936), estrelado por Harold Lloyd, ele sofreu um grave envenenamento por acidente e quase morreu. Ficou tão mal que não pode comparecer ao enterro do próprio pai, que morreu na mesma época. Os dois fatos o fizeram examinar com mais seriedade a efemeridade da vida e perceber a morte como algo inevitável. Tais reflexões o levaram a buscar um projeto que dialogasse com elas de forma orgânica e pessoal. Foi então que encontrou o material ideal na peça teatral "Make way for tomorrow", adaptada por Helen e Nolan Leary de um romance escrito por Josephine Lawrence: não apenas falava da passagem de tempo como um fator dilacerante na vida familiar, como poderia proporcionar às plateias momentos de identificação e emoção que suas comédias apenas ensaiavam. Com um salário reduzido e um trabalho árduo de quase um ano inteiro, McCarey fez "A cruz dos anos" da maneira como queria: sem astros reconhecidos internacionalmente, sem alívios cômicos deslocados e com um final que o próprio chefão da Paramount, Adolph Zukor, tentou alterar para algo menos triste (ou menos realista). A teimosia do cineasta se pagou em elogios rasgados da crítica e da indústria - mas lhe custou a renovação do contrato com a Paramount.
Apesar dos aplausos da crítica, porém, "A cruz dos anos" não foi um sucesso comercial e tampouco foi lembrado pelas cerimônias de premiação de 1937, ao contrário do outro filme lançado por McCarey no mesmo ano, "Cupido é moleque teimoso". Chegou a ser listado como um dos dez melhores filmes da temporada pelo National Board of Review, mas falhou em conquistar indicações ao Oscar, o que certamente lhe ajudaria na bilheteria. Mas o fato é que, a despeito desse detalhe, o drama de McCarey atingiu em cheio os corações de muitos espectadores, famosos ou não. Não importa se a atriz Beulah Bondi tinha apenas 49 anos durante as filmagens (e era apenas um ano mais velha que Elisabeth Risdon, que interpreta sua filha) ou que Victor Moore também não fosse octogenário (tinha recém 61 anos quando fez o filme): seus desempenhos são tão reais e naturais (auxiliados pela caracterização impecável) que, da primeira à última cena, à plateia não resta nada mais a não ser acompanhar, de forma emocionada, o desespero de um casal de idosos frente a uma encruzilhada pessoal que os obriga, depois de cinco décadas de união, a uma separação forçada e à constatação de que seu ideal familiar está longe de ser verdadeiro.
Tudo começa quando o casal vivido por Victor Moore e Beulah Bondi chama quatro de seus cinco filhos para uma reunião familiar: por não conseguir pagar suas dívidas com o banco, Barkley e Lucy Cooper terão de entregar a propriedade a seus credores - e, por consequência, não terão mais onde viver, ao menos até conseguirem encontrar um novo lar. A revelação pega a prole de surpresa, especialmente porque nenhum dos filhos parece ter condições de abrigar o casal simultaneamente. Sendo assim, fica resolvido que, provisoriamente, eles ficarão separados. Barkley vai morar com sua filha Cora (Elisabeth Risdon) em uma cidade do interior, e Lucy fica hospedada com o filho, George (Thomas Mitchell), a nora, Anita (Fay Bainter), e a neta adolescente, Rhoda (Barbara Read). Barkley sofre com o constante mau-humor da filha e encontra consolo nas conversas com o amigo Max (Maurice Moscovitch), enquanto Lucy começa a bater de frente com a nora em relação aos processos da casa e da criação da jovem Rhoda. Aos poucos fica claro para o casal que eles mais atrapalham a vida de seus filhos do que são bem-vindos - o que os leva a tentar encontrar uma nova solução para seu problema.
O roteiro de Viña Delmar é conciso e, apesar de triste, jamais apela para a lágrima fácil, enfatizando sempre que necessário o fato de que nem Lucy nem Barkley são pessoas perfeitas ou infalíveis - especialmente Lucy, que não hesita em se intrometer nas reuniões sociais da nora ou bancar a dona da casa. É então que entra a direção sensível e discreta de McCarey, buscando sempre a emoção mais sutil, a percepção mais simples de cada sentimento. O terço final do filme, quando o casal se reúne por uma última vez antes de partir atrás de suas novas vidas, é de especial ressonância: o cineasta mostra como pessoas estranhas são mais sujeitas a gentilezas e paciência com os dois do que os próprios herdeiros, que preferem passar tais horas juntos e relembrando seus melhores momentos do que em um jantar onde sabem que não serão exatamente festejados. O desfecho, amargo mas poético, desagradou a Paramount e levou o diretor para a Columbia, onde ele realizou seu trabalho seguinte, uma produção leve, divertida e alto astral que lhe rendeu o Oscar. Mas, como prova de onde realmente estava seu coração, McCarey declarou sem pestanejar que a estatueta estava parando em suas mãos pelo filme errado. A Academia pode tê-lo eleito por "Cupido é moleque teimoso", mas dentro de si, ele sabia qual dos dois trabalhos ficaria guardado mais fundo no coração do público!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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