CUPIDO É MOLEQUE TEIMOSO (The awful truth, 1937, Columbia Pictures, 90min) Direção: Leo McCarey. Roteiro: Viña Delmar, peça teatral de Arthur Richman. Fotografia: Joseph Walker. Montagem: Al Clark. Figurino: Robert Kalloch. Direção de arte: Lionel Banks, Stephen Goossón. Produção: Leo McCarey. Elenco: Cary Grant, Irene Dunne, Ralph Bellamy, Alexander D'Arcy, Cecil Cunningham, Molly Lamont. Estreia: 20/10/37
6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Leo McCarey), Atriz (Irene Dunne), Ator Coadjuvante (Ralph Bellamy), Roteiro Adaptado, Montagem
Vencedor do Oscar de Diretor (Leo McCarey)
Insatisfeito com a rebeldia do diretor Leo McCarey em não aceitar suas imposições em relação a seu filme "A cruz dos anos" (1937), o chefão da Paramount Pictures, Adolph Zuckor, resolveu que não iria renovar seu contrato. McCarey, então, transferiu-se para a Columbia para realizar seu filme seguinte, um remake da comédia "The awful truth", lançada em 1929 e estrelada por Ina Claire e Henry Daniell. Adaptada da peça teatral de Arthur Richman e com roteiro do parceiro habitual do diretor, Viña Delmar, a produção não foi exatamente um paraíso de tranquilidade - mas resultou em um filme delicioso e bem-sucedido, que lhe rendeu o Oscar de direção (e ainda concorreu em outras cinco categorias, incluindo melhor produção do ano e melhor atriz). Criado basicamente em cima de improvisações do elenco e com um ritmo dos mais ágeis, "Cupido é moleque teimoso" encontrou em sua dupla de protagonistas - Cary Grant e Irene Dunne - o caminho para o sucesso de bilheteria, tornando-se referência e um dos mais bem-acabados produtos do gênero.
Quem vê o resultado final de "Cupido é moleque teimoso" - uma comédia que se equilibra com precisão entre a sofisticação e o popular - nem imagina que o próprio elenco tivesse sérias dúvidas a respeito de sua qualidade. Cary Grant, por exemplo, plenamente convencido de que nada estava funcionando durante as filmagens, implorou para ser desligado do projeto - ou trocar de papel com Ralph Bellamy, que interpretava um de seus rivais na trama. Bellamy, por sua vez (que chegou a concorrer ao Oscar de coadjuvante pelo filme), declarou posteriormente que era Irene Dunne quem desejava abandonar a produção - afirmação negada tanto pela atriz quanto por McCarey nos anos seguintes. Na verdade, Grant sentia-se desconfortável com os métodos que o diretor usava para atingir seus objetivos: muito improviso, cenas criadas a partir da interação entre os atores e poucos takes (até como uma forma de impedir o estúdio de editar o filme de forma contrária ao que ele desejava). O resultado dessa diferença entre estilos foi fundamental para que Grant, um ator elegante e sério, mostrasse seu lado mais leve, dono de um humor preciso, que casou perfeitamente com o timing de sua colega de cena, tão à vontade que parece nem estar representando (uma performance, aliás, que também lhe rendeu uma indicação ao Oscar). Juntos, Grant e Irene Dunne são fantásticos, tornando impossível para a plateia não torcer por um final feliz entre eles já desde os minutos iniciais.
Quando o filme começa, Jerry Warriner (vivido por Grant com um estilo que muito lembrava o próprio diretor McCarey) está voltando de uma pretensa viagem de negócios à Flórida - mas acaba sendo desmascarado pela esposa, Lucy (Irene Dunne), que tampouco tem uma explicação satisfatória a respeito do tempo que passou longe de casa, ao lado do professor de música Armand Duvalle (Alexander D'Arcy). Certos de que a falta de confiança um no outro faz com que manter o casamento seja impossível, eles concordam com o divórcio - mas precisam esperar noventa dias até que ele esteja consumado. Nesse meio-tempo, porém, eles precisam se encontrar ocasionalmente, quando Jerry vai visitar o adorável cãozinho que o casal trata como filho. Em uma dessas visitas, Jerry fica sabendo que Lucy está interessada em outro homem, o bem-nascido Daniel Leeson (Ralph Bellamy), e, percebendo que ainda a ama, resolve fazer o possível para impedir que o relacionamento vá adiante. Algum tempo depois, a situação se inverte: ciente de que Jerry está prestes a assumir um compromisso sério com a herdeira Barbara Vance (Molly Lamont), Lucy usa de toda a sua criatividade para atrapalhar o novo romance do ex-marido.
Os artifícios de que Jerry e Lucy lançam mão em suas tentativas de atingir seus objetivos são o melhor do filme. Seja através de piadas verbais ou físicas, a dupla de protagonistas consegue manter um ritmo admirável, capaz de fazer o público rir de acontecimentos banais, como tombos, cócegas, danças e diálogos repletos de duplo sentido. A voracidade dos diálogos - bem construídos e nunca excessivamente longos - encontra no elenco as vozes ideais: até mesmo os coadjuvantes estão absolutamente confortáveis em cena e tem seu momento de brilho (assim como o expressivo Skippy, o cachorrinho-ator que, já experiente graças a filmes como "A ceia dos acusados", de 1934, tem momentos absolutamente encantadores e igualmente engraçados). Se o terço final da narrativa, quando finalmente o ex-casal percebe que se ama e tenta resolver suas pendências sentimentais, perde um pouco a agilidade, o roteiro ao menos oferece ao espectador um desfecho que se equilibra com inteligência entre o humor e a ternura. Uma aula para quem gosta de comédias românticas, "Cupido é moleque teimoso" tem seu lugar garantido no coração dos cinéfilos que escolhem, de vez em quando, uma diversão simples como um bom bolo de chocolate.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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