FILHOS DO SILÊNCIO (Children of a lesser God, 1986, Paramount Pictures, 119min) Direção: Randa Haines. Roteiro: Hesper Anderson, Mark Medoff, peça teatral de Mark Medoff. Fotografia: John Seale. Montagem: Lisa Fruchtman. Música: Michael Convertino. Figurino: Renee April. Direção de arte/cenários: Gene Callahan/Rose Marie McSherry. Produção: Patrick J. Palmer, Burt Sugarman. Elenco: William Hurt, Marlee Matlin, Piper Laurie, Philip Bosco. Estreia: 31/10/86
5 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator (William Hurt), Atriz (Marlee Matlin), Atriz Coadjuvante (Piper Laurie), Roteiro Adaptado
Vencedor do Oscar de Melhor Atriz (Marlee Matlin)
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz/Drama (Marlee Matlin)
Muitos anos antes que campanhas sobre inclusão fizessem parte da rotina de Hollywood, a adaptação de uma peça teatral da Broadway, lançada pela Paramount Pictures fez com que a Academia quebrasse (mais ou menos) alguns paradigmas. Menos porque, apesar de indicado aos Oscar de melhor filme, ator, atriz e roteiro, "Filhos do silêncio" ficou de fora da disputa de melhor direção - sintomaticamente, o filme era assinado por uma mulher, Randa Haines, que perdeu a vaga para David Lynch e seu "Veludo azul". Mais porque, pela primeira e única vez até hoje, a vencedora na categoria de melhor atriz foi uma jovem surda-muda estreante nas telas. Com apenas dezenove anos de idade no período das filmagens e vinte e um na cerimônia de premiação, Marlee Matlin bateu veteranas (Jane Fonda, Sissy Spacek) e estrelas em ascensão (Kathleen Turner e Sigourney Weaver) para arrebatar sua estatueta - e de quebra conquistou também seu parceiro de cena, William Hurt, com quem manteve uma relação atribulada na segunda metade da década de 1980. Seu trabalho, contundente e emocional, é o grande destaque do filme de Haines, o primeiro dirigido por uma mulher a concorrer ao Oscar principal.
Selecionada a partir de uma busca por países como EUA, Canadá, Suécia e Grã-Bretanha, a iniciante Marlee Matlin foi escolhida quase por acaso, quando os produtores a viram em uma participação na montagem da peça original, em Chicago: mesmo em um papel coadjuvante nos palcos, Matlin conquistou a atenção e a confiança do estúdio e ganhou a chance de ser a protagonista na versão cinematográfica da história, criada por Mark Medoff. O próprio Medoff co-assinou o roteiro, ao lado de Hesper Anderson, e foi indicado ao Oscar por ele. Sua trama é simples, focada em personagens fortes e um romance difícil, mas o trabalho de Matlin é surpreendente: mesmo com pouca experiência, ela transmite com brilhantismo todas as várias nuances de sua personagem, muitas vezes dispensando a tradução de sua linguagem de sinais graças à sua expressividade. Nem mesmo contracenando com William Hurt - com um Oscar fresquinho em mãos, por "O beijo da mulher-aranha" (1985) - ela se deixa intimidar, em um embate de interpretações que justifica os elogios rasgados da crítica à produção de Haines, que, a não ser por seu belo elenco, poderia facilmente ser confundida com um filme feito para a televisão.
Visualmente convencional e com uma narrativa extremamente simples, "Filhos do silêncio" se ampara em sua trama e seus personagens para conquistar o público. Não que seja muito fácil: a protagonista feminina, Sarah Norman (interpretada por Marlee Matlin) não é exatamente simpática, e não faz a menor questão em disfarçar sua agressividade em relação ao mundo à sua volta. Ela trabalha como faxineira em uma escola para surdos-mudos na Nova Inglaterra na qual ela mesma estudou quando criança - e da qual era uma das melhores estudantes. Decidida a não descobrir o vasto mundo fora de sua zona de conforto e pouco afeita à vida familiar com sua mãe (Piper Laurie, indicada ao Oscar de coadjuvante), Sarah tem suas convicções abaladas quando conhece o novo professor da instituição, James Leeds (William Hurt), que fica encantado com ela assim que a vê pela primeira vez. Apaixonado, ele tenta convencê-la a buscar mais da vida, tentar falar e conviver também com pessoas que não pertençam a seu círculo de amizades. Suas tentativas, porém, não são muito felizes, e o amor que nasce entre os dois passa a ser ameaçado pelo silêncio entre seus dois universos.
O roteiro de "Filhos do silêncio" se concentra, então, a apresentar as dificuldades que atravessam o caminho dos dois amantes. Ele fica frustrado por não poder mostrar a ela a beleza da música; ela se sente diminuída diante dos amigos dele; ele não consegue se enturmar com quem a cerca; ela o acusa de forçá-la a ser quem ela não é. As discussões entre os protagonistas são interessantes e encontram intérpretes geniais em Hurt e Matlin, mas existe um sério problema de ritmo que dificulta a entrega total do espectador. O filme leva quase duas horas para contar uma história que poderia ter uns bons trinta minutos a menos, e Sarah, apesar de ter motivos para isso, é uma personagem um tanto irascível demais para conquistar completamente o público. Concentrando-se basicamente nos dois personagens centrais, o filme perde o foco quando tenta abraçar tramas paralelas - o relacionamento de James com seus alunos é fundamental para a história, mas poderia ser mais resumido - e estender demais a resolução dos conflitos estabelecidos desde o princípio. "Filhos do silêncio" tem seus momentos, mas no geral é bastante irregular - não à toa, a Academia premiou justamente seu maior trunfo e preferiu entregar seus troféus mais importantes do ano ao polêmico "Platoon", de Oliver Stone, muito mais marcante e cinematograficamente potente.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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